Novo Código Florestal – Desafios financeiros da restauração ecológica

A Lei 12.651, de 25 de maio de 2012, conhecida como o novo Código Florestal, estabelece a obrigação de recomposição da vegetação das áreas de preservação permanente (APPs) e de reservas legais (RLs). No entanto, há alguns entraves que dificultam o cumprimento de tal obrigação legal. Em geral, considera-se que as atividades de restauração apresentam custos elevados e não oferecem retorno financeiro para os proprietários de imóveis rurais. Os benefícios são considerados difusos, coletivos e de longo prazo.

Possivelmente, a grande mobilização nacional em torno dessa lei permitirá a melhor quantificação dos benefícios relativos à água, erosão, biodiversidade, carbono, microclima e até mesmo sua melhor valoração. Ainda assim, mesmo que a avaliação de custos e benefícios da recuperação dos biomas brasileiros ganhe consistência e maior rigor nos próximos anos, sob qualquer ótica, os custos, principalmente para os primeiros anos, serão significativos, e a capacidade de financiamento dos proprietários, limitada.

Portanto, o apoio financeiro para a implementação do novo Código Florestal sugere uma série de temas para discussão. Qual a arquitetura desse apoio financeiro com linhas, fundos e programas? Como reduzir os custos de restauração? É possível tornar a recuperação da vegetação nativa uma atividade rentável economicamente? Quais as origens e os montantes necessários para o financiamento? Existem recursos humanos, técnicos, gerenciais e produtivos para atender a uma demanda potencial crescente? Que investimentos em bens e serviços deverão ser financiados? Quais os gargalos mais relevantes para o financiamento? Que instituições deverão ser decisivas nesse processo?

A arquitetura financeira de apoio à restauração deve contar com instrumentos e fontes de recursos variados. Existem linhas de financiamento que, apesar da possibilidade de ajustes, já podem ser utilizadas pelos proprietários dos imóveis rurais. É importante investigar os tipos de financiamento adequados para as inúmeras atividades, que, em geral, são complexas e caras, repletas de incertezas quanto ao sucesso, exigem conhecimento e técnicas, mobilizam pessoal especializado e tendem a demorar a apresentar resultados. Assim, os proprietários rurais com obrigação de restaurar têm um desafio significativo à frente. Não apenas as soluções técnicas para cada área a ser restaurada serão diferentes como também os investimentos a serem feitos ao longo do tempo.

A definição da metodologia de restauração mais apropriada em cada situação é o fator-chave de sucesso das iniciativas de restauração, pois permite a redução de tempo e custos (Nave et al., 2015). [Para uma abordagem ampla sobre tipos de restauração física, química e biológica, ver Rodrigues (2013). Para definições de restauração ecológica, consultar Engel e Parrota (2003)]. São inúmeros os casos de restaurações malsucedidas em que todo o trabalho foi perdido. São riscos inerentes que devem ser mitigados.

A primeira avaliação é da resiliência da área, ou seja, a possibilidade de a regeneração natural vingar e iniciar um processo de sucessão da vegetação. Quanto maior o número de regenerantes, menor a necessidade de plantio de mudas e manutenções das áreas em recuperação. A regeneração natural também é facilitada pela proximidade de áreas preservadas, exatamente pela capacidade de difusão de propágulos e atração de fauna (Pereira, Oliveira e Torezan, 2013). Pode ocorrer o recobrimento vegetal de forma natural a partir do isolamento da área e da retirada dos fatores de degradação, como pisoteio de animais, gramíneas invasivas, descargas de enxurrada, barramentos de cursos d’água (Nave et al., 2015). Em outros casos, é necessário o recobrimento com mudas de espécies nativas, com o objetivo de formação de uma estrutura vegetal com sombreamento, que seja capaz de inibir e neutralizar espécies exóticas. Há locais em que é preciso introduzir mudas ou sementes nos espaços não ocupados pela regeneração natural. Enfim, o campo de experimentação e consolidação de técnicas está aberto às soluções mais interessantes para cada região ou localidade.

Ainda são incertos os modelos de negócios que irão predominar em cada situação: se o proprietário rural realizará o trabalho de restauração por conta própria ou com orientações de um técnico; se irá realizar o plantio completo ou apenas cercar a área e retirar o capim no primeiro momento; se solicitará financiamentos de menor porte para cada atividade ao longo dos anos de trabalho de restauração ou se irá operar com crédito de maior prazo e valor.

Um dos maiores desafios tecnológicos e comerciais do novo Código Florestal é tornar rentável a recomposição da vegetação com o aproveitamento de produtos madeireiros e não madeireiros, como sementes, frutos, óleos e outras substâncias (Strassburg et al., 2014; Latawiec et al., 2015). Não estamos considerando o plantio homogêneo de espécies nativas, denominado reflorestamento, mas, conforme o disposto na Lei 12.651/2012 para a recuperação em RL, plantios intercalados de espécies nativas e exóticas – as últimas limitadas em 50%. Não serão plantios homogêneos na metade da RL, mas, sim, intercalados em, por exemplo, duas a quatro linhas no terreno. Os modelos ainda são incipientes, não há empreendimentos comerciais em maior escala; a maioria ainda se encontra nos primeiros anos de estudo. Com o tempo, espera-se o aperfeiçoamento das técnicas, com profissionais especializados e experimentos com as espécies adequadas para cada região. O uso temporário de espécies exóticas de rápido crescimento pode reduzir os custos da restauração. As oportunidades são evidentes para pastos de baixa utilização ou produtividade.

Brancalion et al. (2012) discute as oportunidades da restauração com retorno econômico. São considerados os arranjos que produzem madeiras, sementes, óleos, frutos e plantas ornamentais. Em outros, são plantados, por exemplo, feijão, milho, mandioca ou abóbora no início da restauração, com o objetivo de sombrear e melhorar as condições do solo, reduzir gramíneas competidoras em meio às mudas nativas, resultando em ganhos de renda para o proprietário superiores aos custos de oportunidade de pastos pouco produtivos.

Há, no entanto, dois tipos de risco, técnico e financeiro, para o incremento das atividades de restauração com retorno econômico para o proprietário. Há aqueles associados ao trato tecnológico, às autorizações para os cortes de madeira e comercialização dos produtos, por exemplo. Outros estão na avaliação da operação de crédito pelas instituições financeiras. Um dos gargalos é o desconhecimento por parte dos bancos sobre a viabilidade técnica e econômica dos empreendimentos. Além disso, é diminuta a propensão dos bancos em financiar projetos de maior prazo. Portanto, é possível conjecturar que as avaliações de capacidade de pagamento serão baseadas nas atividades econômicas já desenvolvidas pelos proprietários. Existem ainda muitos desafios com relação à capacidade técnica, gerencial e de recursos humanos em todas as atividades da cadeia da restauração ecológica.

Para mais informações sobre o novo Código Florestal e aspectos relacionados ao financiamento das atividades de restauração, leia o artigo Financiamento para a restauração ecológica no Brasil, do qual foi extraído e adaptado esse conteúdo. O estudo é de autoria de Márcio Macedo Costa, gerente do BNDES, e foi publicado no livro Mudanças no Código Florestal Brasileiro: desafios para a implementação da nova lei, editado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Fonte: BNDES

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