Mais segurança jurídica do licenciamento ambiental

Por João Emmanuel Lima

Ruy Baron/ValorUm dos debates recorrentes na agenda do país envolve a insegurança jurídica que afeta agentes econômicos cujos investimentos correm o risco de serem barrados nos processos de licenciamento ambiental. Em abril, foi publicada a Lei nº 13.655/2018, que altera a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), e deve colocar um novo ingrediente neste debate.

Seu texto gerou reações antagônicas. De um lado, críticas pela acelerada tramitação no Congresso, falta de debate e alertas sobre supostos embaraços para as atividades de controle, em especial as desenvolvidas pelos Tribunais de Contas. No campo oposto, os defensores do texto sustentavam que ele não prejudica o controle, mas racionaliza seu exercício, promovendo algo que há muito anda em falta no Brasil: a segurança jurídica.

Sancionada com veto a alguns dispositivos, cabe agora dimensionar os possíveis efeitos sobre o licenciamento ambiental.

O licenciamento ambiental é um dos instrumentos previstos na Política Nacional do Meio Ambiente colocado à disposição da administração pública com a finalidade de identificar, previamente, os potenciais impactos ambientais decorrentes de empreendimentos e atividades, bem como estabelecer as medidas necessárias para preveni-los, mitigá-los ou compensá-los.

Nos últimos tempos, esse instrumento de controle vem sendo acusado, nem sempre de forma justa, de ser um dos entraves para o desenvolvimento econômico e social do país. A insatisfação com seu desempenho tem inclusive motivado legítimos debates no Congresso Nacional sobre a conveniência de se criar uma lei geral do licenciamento, cujo objetivo seria resolver alguns dos problemas que se entende presentes no modelo atual.

As alterações na LINDB feitas pela nova lei trazem algumas soluções interessantes para os processos de licenciamento ambiental que podem contribuir para o enfrentamento de dois problemas recorrentes: morosidade na concessão das licenças e falta de segurança jurídica, especialmente em razão da constante judicialização e imprevisibilidade das decisões judiciais sobre a matéria.

A tentativa de combate à morosidade pode ser vista nos dispositivos que tratam da responsabilidade do agente público. O artigo 28, por exemplo, restringe a possibilidade de responsabilização pessoal aos casos em que o agente tenha agido com dolo ou erro grosseiro. Isso significa que meros equívocos cometidos na condução de um complexo processo de licenciamento não ensejarão a responsabilização do servidor, sendo necessário que esse tenha agido com dolo ou negligência, imperícia e imprudência graves.

Nova lei contribui para enfrentar problemas recorrentes do licenciamento, como a morosidade

Nessa mesma linha, o artigo 22 apresenta como critério para interpretação de normas de gestão pública a observância dos obstáculos e das dificuldades reais do gestor e das exigências das políticas públicas a seu cargo. E mais: exige que sejam consideradas nas decisões que versem sobre a regularidade do ato ou processo as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. Com isso, pretende-se colocar os órgãos de controle, ou o Judiciário, verdadeiramente nos sapatos daquele que tomou a decisão em determinado momento, muitas vezes para atender demanda urgente, sem que a entidade à qual esteja vinculado tenha estrutura adequada.

Tais medidas, longe de dificultar punições, podem dar ao gestor público a tranquilidade necessária para a tomada de decisões que por vezes são atrasadas – ou simplesmente não são tomadas – pelo receio paralisante de penalização por escolhas que depois se mostrem, na visão dos órgãos de controle ou do Poder Judiciário, inadequadas. Esse receio se amplifica em processos de licenciamento complexos, nos quais pode haver dissenso genuíno sobre questões relevantes.

Vale ressaltar, aqui, que o agente público continua sob a vigilância do artigo 67 da Lei de Crimes Ambientais, que pune a concessão de licença em desacordo com a legislação. Contudo, a nova lei pode influenciar no grau de culpa exigido para aplicação desse tipo penal.

Outro avanço da Lei nº 13.655/18 é a busca de racionalização do controle judicial dos atos e processos administrativos. O artigo 20 não só reforça o dever constitucional de motivação, como também indica alguns parâmetros mínimos de como isso deve ser feito nas decisões baseadas em valores jurídicos abstratos. Exige-se, por exemplo, que as consequências práticas das decisões sejam consideradas e que se demonstre a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, inclusive em face das possíveis alternativas. Isso demandará do Poder Judiciário um esforço argumentativo por vezes deixado de lado em decisões baseadas em princípios jurídicos, especialmente em matéria ambiental. O texto não pretende impedir a aplicação dos princípios, como acusam alguns críticos, mas racionalizá-la.

A tentativa de se melhorar a qualidade das decisões é reforçada pelo artigo 21, o qual exige do juiz a indicação das consequências jurídicas de seu ato decisório quando invalidar um ato ou processo, de modo a deixar claro que todos os aspectos fáticos relevantes para o caso foram efetivamente considerados.

Se for o caso de invalidar o ato ou processo, o Judiciário indicará condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime, o que pode ser de grande valia em discussões sobre a validade de licenças ambientais. A invalidação em regra frustra decisões de investimento e com este novo regramento os agentes econômicos terão possibilidade de regularizar sua situação, ou saber como fazê-lo, em condições razoáveis.

A busca de previsibilidade nas decisões é contemplada no artigo 23, o qual estabelece que a interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado deve ser acompanhada da indicação de regimes de transição. Essa previsão sinaliza que o empreendedor não será surpreendido por alterações de entendimentos do Estado, que muitas vezes são vitais para suas decisões de investimento.

Como se percebe, olhando a questão apenas sob a ótica do licenciamento ambiental, os potenciais efeitos virtuosos da nova lei sobre um instrumento tão importante são notórios. É claro que a transformação desse potencial em resultados práticos dependerá de como seu texto será efetivamente interpretado e aplicado. Se essa observação é válida para as leis novas, de forma geral, ganha ainda mais força em uma lei que nasce cercada de vivos debates e resistência de muitos dos órgãos impactados pelas mudanças.

João Emmanuel Cordeiro Lima é sócio do Nascimento e Mourão Advogados. Mestre, doutorando em direitos difusos e coletivos pela PUC-SP e membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

Fonte: Valor Econômico

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