Provisão de infraestrutura pública decorrente de atividades e empreendimentos sujeitos a licenciamento ambiental e urbanístico: o marco regulatório de New South Wales, Austrália

Um dos grandes desafios do licenciamento ambiental e urbanístico no Brasil se refere à gestão da responsabilidade pela demanda por infraestrutura pública gerada por novas atividades e empreendimentos. Por exemplo, atividades de mineração geralmente atraem centenas ou até mesmo milhares de trabalhadores para municípios com capacidade escassa de arrecadação e investimento. Esse foi o caso do Município de Parauapebas, que cresceu de forma desordenada em decorrência da construção da mina de Carajás. Incrementos populacionais decorrentes de novos projetos precisam estar alinhados à provisão adequada de nova infraestrutura pública, como ruas e rodovias, sistemas de saneamento, escolas, hospitais e áreas de lazer. Contudo, o marco regulatório brasileiro para a alocação dos custos de infraestrutura ainda não atingiu níveis satisfatórios de efetividade e transparência. Na maioria dos casos, a legislação urbanística municipal não possui mecanismos capazes de gerir adequadamente a demanda pela nova infraestrutura pública. Além disso, instrumentos legais relacionados ao licenciamento ambiental, como a compensação ambiental prevista no artigo 36 da Lei Federal no 9.985/2000, não se prestam a esse tipo de finalidade. Dessa forma, quando formalizada, a definição de medidas compensatórias de infraestrutura pública acaba ocorrendo por meio de condicionantes de licenças ambientais e urbanísticas e/ou termos de compromisso assinados entre empreendedores e órgãos públicos. A ausência de um regramento claro sobre o tema gera um contexto de elevada influência política nas “negociações” por obras públicas a serem custeadas por empreendedores, contribuindo para um ambiente propício à corrupção.

Em virtude desse vácuo legislativo, convém analisar como outras jurisdições lidam com esse tema. Neste artigo, apresentamos de forma sumarizada o marco regulatório para provisão de infraestrutura pública existente no Estado de New South Wales (NSW), Austrália. As chamadas development contributions encontram-se regulamentadas na Division 7.1 do Environmental Planning and Assessment Act 1979 (EP&A Act) e na Environmental Planning and Assessment Regulation 2021 (EP&A Regulation). Os três principais mecanismos legais existentes são apresentados a seguir.

As local infrastructure contributions previstas na section 7.11 do EP&A Act são contribuições monetárias e/ou doações de áreas feitas por empreendedores quando há uma clara conexão entre o empreendimento proposto e uma demanda específica por nova infraestrutura pública. Alternativamente, local infrastructure contributions também podem ser cobradas por meio das fixed development consent levies previstas na section 7.12 do EP&A Act. Nessa hipótese, é cobrado um percentual sobre o valor estimado do empreendimento, não sendo necessária uma conexão direta entre o projeto proposto e a infraestrutura pública a ser financiada pelos recursos financeiros obtidos. Contribuições oriundas da section 7.1 são mais comuns em projetos greenfield, como loteamentos residenciais, e são geralmente definidas de acordo com o número de unidades habitacionais ou de lotes a serem construídos. Por sua vez, as contribuições oriundas da section 7.2 são mais utilizadas em projetos brownfield, ou seja, em áreas já estabelecidas. Em ambos os casos, as local infrastructure contributions somente podem ser cobradas por local councils que já preparam um contributions plan nos termos da legislação aplicável. Os contributions plans são desenvolvidos em colaboração com empreendedores e a comunidade local e auxiliam no planejamento da infraestrutura pública na esfera municipal.

Uma alternativa mais flexível de development contribution está prevista nas sections 7.4 a 7.10 do EP&A Act. Os planning agreements, também conhecidos como voluntary planning agreements (VPAs) são acordos firmados entre empreendedores e autoridades públicas por meio do qual empreendedores oferecem a doação de áreas, contribuições financeiras e/ou qualquer outro tipo de benefício com uma finalidade pública, incluindo melhorias de infraestrutura pública e ações de proteção ambiental. Empreendedores geralmente propõem a celebração de VPAs quando existe a necessidade de alterar o zoneamento da área do empreendimento ou um regulamento aplicável ao projeto. Esses acordos também são utilizados no caso de projetos mais complexos quando o empreendedor deseja ter maior controle e segurança jurídica sobre a construção da infraestrutura pública. Os processos de elaboração de VPAs possuem mecanismos que visam garantir transparência e accountability, estando sujeitos à consulta pública prévia e posterior divulgação e acompanhamento das atividades executadas no âmbito de seus escopos.  

Por fim, o EP&A Act, nas sections 7.22 a 7.26, também prevê as special infrastructure contributions (SICs), que ajudam a financiar a infraestrutura estadual e regional. Empreendedores contribuem para o custo de fornecer infraestrutura estadual e regional dentro de designated special contribution areas, que são criadas após consulta pública. As SICs são administradas pelo NSW Department of Planning and Environment e podem ser cobradas concomitantemente com as local infrastructure contributions. No entanto, tanto as SICs, como as local infrastructure contributions, podem deixar de ser cobradas em decorrência dos termos de um VPA.  

As development contributions são importantes instrumentos do processo de planejamento urbano e ambiental de NSW, garantindo que os custos da infraestrutura pública necessária em decorrência de novos empreendimentos sejam distribuídos de forma justa e tragam benefícios paras comunidades locais impactadas. Não há dúvidas de que o Brasil poderia se beneficiar de um marco regulatório semelhante. Nesse sentido, faz-se necessária a discussão sobre mecanismos que aprimorem o planejamento e aumentem a transparência e a participação popular na definição de provisão de infraestrutura pública definida em processos de licenciamento ambiental e urbanístico. 

Publicado dia: 10/04/2023

Por: Miguel Frohlich

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