A flexibilização das limitações ao uso de áreas de preservação permanente em áreas urbanas consolidadas

A par dos limites impostos pelo Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), que prevê em seu art. 4º, I, a necessidade de se respeitar, tanto em áreas urbanas quanto rurais, faixa de área de preservação permanente nas margens dos cursos d’água, a depender da largura dos mesmos, tem a jurisprudência admitido a flexibilização de referidos afastamentos, nas hipóteses em que as peculiaridades do caso concreto indiquem a necessidade de análise específica e harmônica para com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, imprescindíveis em matéria ambiental.

Com efeito, constatando-se a inequívoca urbanização de determinada área ou ainda a perda das funções ecológicas que originalmente motivavam a preservação das margens dos corpos hídricos – preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora, proteção do solo e garantia do bem estar das populações humanas (art. 3º, II, da Lei n. 12.651/2012) –, como no caso de sua canalização ou aterramento, possível a flexibilização das restrições enunciadas à norma ambiental, como se toma de recentes acórdãos exarados pelos Tribunais pátrios, a exemplo dos Tribunais de Justiça dos Estados de Santa Catarina (TJSC) e de São Paulo (TJSP) e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de onde se extraem os precedentes mais enfáticos no tema.

Nesse contexto, denota-se a possibilidade de aplicação da Lei de Parcelamento do Solo Urbano (Lei n. 6.766/79), diploma de caráter especial especificamente editado para cuidar das hipóteses ligadas às áreas urbanas e aos loteamentos, que estabelece, em seu art. 4º, III, o limite de 15 metros de faixa non aedificandi, afastamento inferior ao mínimo de 30 metros exigido pelo Novo Código Florestal. Do mesmo modo, verifica-se a incidência de normas estaduais e ainda municipais, privilegiando-se a utilização dos diplomas mais adequados à resolução do caso concreto, considerando a busca pela solução que melhor se aperfeiçoe à constante evolução das necessidades e hábitos das comunidades humanas.

No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, estabelece o Decreto n. 42.356/2010 que, nos processos de licenciamento ambiental e de emissão de autorizações ambientais, os limites mínimos fixados pelo Código Florestal poderão ser reduzidos em se tratando de áreas urbanas consolidadas e antropizadas, em que se constate a inexistência de função ecológica da faixa marginal de proteção e em que a alternativa de recuperação da área como um todo cause prejuízos à coletividade.

Ora, ainda que estanque a letra normativa do Novo Código, deve sua incidência prática primar pela razoabilidade, não se concebendo a aplicação de significativas restrições ao direito de propriedade e ao progresso humano sem que estas espelhem qualquer utilidade ao meio ambiente ou à sociedade a que visa resguardar, agrilhoando os administrados a exigências destoantes de suas realidades.

Imperiosa, por certo, a preservação do bem ambiental coletivo. O que não se concebe é a limitação irrestrita e impensada de espaços urbanos plenamente aptos a, utilizados em harmonia com a legislação urbanística aplicável e com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, permitir o desenvolvimento das comunidades humanas, que merecem − em consonância com os mais altos valores da dignidade humana − ter seus direitos à moradia, alimentação, saúde, educação e lazer atendidos, a demandar, por certo, a implantação de instalações e equipamentos urbanos aptos a suprir suas mais básicas necessidades, em reflexo do desenvolvimento sustentável que se visa, acima de tudo, a promover.

Não se pode olvidar ainda que seria um nítido contrassenso pretender que locais marcados por intensa intervenção humana e antropização, retrocedessem, agora, a épocas mais antigas, quando ainda não haviam passado pelos processos de urbanização, canalização, aterramento ou impermeabilização, por exemplo. Deve-se atentar, pois, às situações consolidadas, não sendo razoável desconsiderar a adaptação humana à sua realidade e às suas necessidades, buscando desconstituir a evolução natural do homem perante seu meio, afinal, “a urbanização não pode ser ignorada pelo juiz” (TJ-SP, Apelação n. 0054390-44.2011.8.26.0224, Rel. Des. Torres de Carvalho, in DJ 31/03/2014).

Por Beatriz Campos Kowalski

Postado em 11/11/2014

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