As Leis valem nas questões ambientais?

Em um Estado Democrático de Direito as garantias dos cidadãos devem sempre ser respeitadas. Ainda mais as chamadas cláusulas pétreas, aquelas que não podem ser alteradas nem mesmo por emendas constitucionais. O artigo 5º de nossa Constituição prevê a famosa garantia de que “todos são iguais perante a lei”. Após essa assertiva, o constituinte previu uma série de direitos e garantias a todos os cidadãos brasileiros. Já na segunda garantia desse artigo (inciso II), prevê-se expressamente que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Ainda bem que há essa previsão no texto constitucional, caso contrário, correríamos o risco de ficar “nas mãos” daqueles que possuem o poder de decidir.

Em função disso é que se questiona o porquê que muitas vezes no trato das questões ambientais a lei não é respeitada. Já ouvi muitas vezes defensores de empreendimentos afirmarem que tal projeto deveria ocorrer porque geraria impostos ou empregos! Isso é um erro grosseiro, tendo em vista que a questão social é apenas um dos itens que deve ser avaliado num processo de licenciamento ambiental. Mas também os que defendem uma natureza intocada, ao argumento de que o meio ambiente deve ser inteiramente preservado, estão equivocados. Nestes casos, acaba se ouvindo muitas vezes absurdos como afirmações de que, se a lei não é preservacionista, ela não deveria valer!

Em qualquer um dos casos acima o que ocorre é uma ilegalidade. Um empreendimento que respeita a legislação vigente pode ser aprovado e um que não respeita não pode ser aprovado. Qualquer coisa fora disso é vontade das pessoas e não previsão legal (e aí pouco importa o cargo ou a posição que essa pessoa ocupa). Quando isso começa a ocorrer, entramos na perigosa seara das “vontades pessoais” prevalecerem sobre a previsão legal.

Prova disso é a Lei Complementar n. 140, de 8 de dezembro de 2011, que foi aguardada por quem milita na área ambiental por nada menos que 23 anos (ela regulamenta um dispositivo da Constituição federal de 1988). Ela fixa competências dos órgãos ambientais da União, Estados e Municípios, tanto para promover o licenciamento ambiental, quanto para fiscalizar as atividades licenciadas. Ocorre que, apesar de ela ser absolutamente constitucional, muitos órgãos ambientais, integrantes de ONGs ou membros do Ministério Público a criticam inclusive em ações judiciais por entenderem que a regra que ela criou para a fiscalização ambiental não é correta.

Qual é essa regra? Em minha visão a mais lógica de todas: o órgão que licenciou – e que, portanto, é o que melhor conhece o projeto – é o responsável para realizar a fiscalização do mesmo. Ora, ainda que se discorde da regra, é inegável que essa foi a vontade daqueles eleitos pelo povo para justamente criarem leis. Criticá-la é possível e talvez até mesmo elogiável e a própria Constituição Federal permite isso (“é livre o direito do pensamento”, art. 5º, IV), mas não aplicá-la ou utilizá-la em desacordo com o seu texto é de todo inaceitável. Por essa razão que os órgãos públicos são obrigados a basear suas ações nesta regra e a fazerem isso da maneira como ela prevê, e não da maneira como alguns gostariam que ela tivesse sido escrita. Afirmar que um órgão não possui competência para licenciar ou fiscalizar determinada atividade ou empreendimento não é demérito algum, mas sim apenas uma regra de convivência harmoniosa entre os órgãos públicos.

Por essa razão, é de se elogiar o Parecer n. 01/13-RTAM-PG-2, da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, da lavra do eminente Procurador Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas, em que, após uma profunda e profícua análise da questão da competência para fiscalizar, conclui em linhas gerais que o órgão licenciador é competente para fiscalizar o empreendimento que ele licenciou (exceção aos casos de risco eminente de dano) e que nos demais casos esse órgão licenciador deve ser informado da eventual irregularidade pelos demais órgãos. E termina ainda sugerindo que o Estado defenda a legalidade e constitucionalidade da referida Lei Complementar n. 140/11.

Essa conclusão não visa dar maior ou menor proteção ao meio ambiente, visa apenas distribuir atribuições aos entes federativos como, aliás, se faz na área da saúde, da segurança pública e da educação. Por isso que os atores ambientais deveriam lutar para uma melhor estruturação dos órgãos de meio ambiente, ao invés de criticarem as leis que os regulamentam ou ainda levarem ao já combalido Poder Judiciário essas discussões.

Por Marcos André Bruxel Saes

Postado em 24/02/2015

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