Por muitas vezes atentamos ao fato de que a melhor maneira de discutir uma questão ambiental é através da via administrativa. Identificar e resolver problemas na fase de planejamento de um projeto, especialmente aqueles de grande porte, é evitar dores de cabeças futuras na esfera judicial.
A legislação ambiental brasileira é muito bem reconhecida internacionalmente. No entanto, a quantidade de normas que o Brasil possui – mais de 70.000, faz com que debates ocasionados por interpretações divergentes sejam constantes. Resultado: judicialização, licenciamentos sobrestados e insegurança jurídica para se empreender!
Nesse contexto, tratamos aqui do licenciamento de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs). Esses empreendimentos provêm de energia limpa e renovável, e em sua grande maioria de baixo impacto ambiental. Deve-se registrar que a localização e a potência instalada desses empreendimentos ditarão qual é o órgão ambiental competente para licenciá-los, conforme preconiza a Lei Complementar n. 140/2011, bem como o Decreto n. 8.437/2015. Ademais, dependendo do porte e grau de impacto desses empreendimentos, os estudos ambientais podem variar desde um estudo simplificado até a elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental – EIA.
Dependendo do Estado, há ainda a exigência da elaboração da Avaliação Ambiental Integrada (AAI). Contudo, deve-se atentar que por se tratar de uma avaliação voltada ao planejamento e estabelecimento de políticas públicas, a mesma não deve ser vinculante ao licenciamento ambiental. Ou seja, a inexistência da avaliação não deve (ou deveria) ser impedimento ao licenciamento. Nesse ponto, há uma expectativa de que com edição da Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3.729/2004), esse assunto venha a ser sanado.
Em razão desses empreendimentos estarem localizados no leito de um rio que compõem uma determinada bacia hidrográfica, que ultrapassa limites regionais, e que também já possuem outros empreendimentos hidrelétricos licenciados, empreendedores têm se deparado com ações judiciais, nas quais se questionam também a competência do órgão licenciador.
Nessa toada, cita-se como exemplo uma recente decisão da Justiça Federal do Pará[1], na qual o juízo da 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária determinou liminarmente que o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA assumisse o licenciamento ambiental de dois Complexos Hidrelétricos de PCHs, posto que os projetos se enquadram na situação comentada no parágrafo anterior – estão previstos para serem implantados em um rio afluente do Rio Tapajós, pertencente à Bacia Hidrográfica do Tapajós, em que há outros empreendimentos.
Segundo a decisão do juízo, que ultrapassa ao nosso ver os ditames das normas aplicáveis, “essa visão conjunta do licenciamento de hidrelétricas na Bacia do Tapajós enseja a conclusão forçosa de que o IBAMA é o órgão de fato competente para o licenciamento em discussão nestes autos. (…) Não há que se olvidar ainda, que como norte assinalado, o Rio Tapajós atravessa dois Estados da Federação e que quando olhados em conjunto os empreendimentos previstos para a bacia do tapajós, salta aos olhos a aplicabilidade, ao caso em tela do dispositivo inserto no Decreto n. 8.347/2015 (art. 3º, VII,a ), regulamentador da LC n. 140/2011. (…) Ora, os projetos em questão nos autos, os quais se tratam da construção de complexo de PCHs, de fato não alcançam o limite acima imposto pela legislação, todavia, como já ao norte frisado, trata-se de licenciamento inserto em contexto bem mais amplo, o qual, se considerado em sua totalidade, atrai, sem sombra de dúvida, a competência do órgão federal”.
Note-se que a decisão que determinou a competência do IBAMA
baseou-se no conjunto de empreendimentos instalados na mesma bacia, e que seu
somatório alcança a capacidade instalada prevista no Decreto 8.437/2015. Tal
entendimento não possui respaldo legal em qualquer ato jurídico existente em
nosso ordenamento pátrio e que caso persista trará mais insegurança jurídica
aos empreendedores. Ressalta-se que se for assim, os licenciamentos ambientais
de empreendimentos hidrelétricos se concentrarão em sua totalidade no órgão
ambiental federal. O que foge totalmente dos princípios da razoabilidade e da
economicidade que regem a Administração Pública.
[1] ACP n. 1000147-45.2018.4.01.3902, 9ª Vara Federal Ambiental e Agrária da SJPA.
Por Gleyse Gulin
Postado dia 05/08/2019
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