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01/09/2025Newsletter Saes Advogados – 231
02/09/2025Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o meio ambiente foi elevado ao patamar de direito fundamental. No artigo 225 da Carta, a expressão “meio ambiente” foi incorporada pela primeira vez no ordenamento jurídico constitucional brasileiro, sendo reconhecida não só para efeitos do presente, mas também com projeção para o futuro. Nela, as futuras gerações são mencionadas como sujeitos de direito, cuja garantia repousa no acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum e essencial à qualidade de vida:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações (Brasil, 1988).
Por meio dos deveres estatais e fundamentais constitucionalmente positivados, é perceptível uma espécie de relação jurídica na qual seus membros relacionam-se tanto internamente (intrageracional) quanto externamente (intergeracional)[1]. Trata-se de uma tutela que transcende o tempo presente, buscando contemplar interesses de sujeitos ainda inexistentes. Nesse sentido, observa o Ministro Luís Roberto Barroso: “a maioria das pessoas que serão afetadas pela mudança climática não tem voz nem voto, ou por serem muito jovens ou por sequer haverem nascido”[2].
No âmbito legislativo infraconstitucional, a tutela dos interesses das futuras gerações também encontra respaldo. Se manifesta no art. 2º, I, da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos ( Lei 9.433/1997), ao estabelecer como um de seus objetivos “assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos”. Da mesma forma, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), prevê no seu art. 2º, I, como objetivo a “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.
Mas, afinal, qual o sentido jurídico disso? Diante da complexidade que envolve o bem ambiental, assim como no contexto de crescentes desastres climáticos, a matéria tem sido cada vez mais judicializada, o que exige do Poder Judiciário um “constante exercício de interpretação e aplicação do direito ambiental, buscando-se garantir às futuras gerações o acesso equitativo ao meio ambiente”[3].
O Conselho Nacional de Justiça, atento a essa tendência, editou o Provimento nº 85/2019[4], que trata da incorporação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU ao âmbito do Judiciário. Mais do que uma diretriz administrativa, o movimento demonstra uma tentativa institucional de preparar o sistema de justiça para lidar com controvérsias de natureza temporal. Assim, quando um conflito intergeracional chega ao tribunal, ao magistrado cabe “mitigar os conflitos entre gerações através de uma sentença intergeracional, a qual pode medir os impactos e seus efeitos em cada caso concreto, julgando no presente a justiça que chegará à geração futura”[5].
A jurisprudência já registra entendimentos nessa linha. Um exemplo é o Recurso Especial nº 1.222.723/SC[6], de relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, no qual discutiu-se a construção de condomínio em Bombinhas (SC), localizada em área considerada de preservação permanente. O voto do Relator acolheu parecer do Ministério Público Federal, que ressalta:
“[…] constata-se que o empreendimento está situado em área de preservação permanente (dunas), na qual se encontra a presença da formação vegetal denominada restinga. […] O objetivo principal é garantir às gerações futuras a possibilidade de sobrevivência em um espaço saudável, onde ainda se encontrem condições naturais que propiciem uma convivência harmônica”.
O debate, portanto, ainda carece de amadurecimento, sobretudo quanto à compatibilização entre a proteção intergeracional e a previsibilidade regulatória. Questões como a definição jurídica do termo “gerações futuras” e os limites da atuação judicial permanecem em aberto. O escritório Saes Advogados acompanha esse processo, atento às implicações normativas e econômicas que a consolidação desses entendimentos poderá acarretar.
[1] BAUER, Luciana; ROSA, Rafaela Santos Martins da. O direito constitucional de resistência climática. Direito Hoje, TRF4, 12 jul. 2022.
[2] BARROSO, Luís Roberto. Sem data vênia: um olhar sobre o Brasil e o mundo. Rio de Janeiro: História Real, 2020.
[3] MACIEL, Jéssica Garcia da Silva; SOUZA, Leonardo da Rocha de. Proteção ambiental e futuras gerações: uma análise da posição do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Direito Brasileira, Florianópolis, v. 22, n. 9, p. 340-371, jan./abr. 2019.
[4] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Provimento nº 85, de 19 de agosto de 2019. Dispõe sobre a adoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030, pelas Corregedorias do Poder Judiciário e pelo Serviço Extrajudicial. Diário de Justiça Eletrônico (DJE/CNJ), Brasília, nº 170, p. 14, 20 ago. 2019.
[5] MACIEL, Jéssica Garcia da Silva; SOUZA, Leonardo da Rocha de. Proteção ambiental e futuras gerações: uma análise da posição do Superior Tribunal de Justiça. Revista de Direito Brasileira, Florianópolis, v. 22, n. 9, p. 340–371, 2019. DOI: 10.26668/IndexLawJournals/2358-1352/2019.v22i9.4466.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1222723/SC, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 08/11/2011, DJ-e 17/11/2011.
Publicado em: 11/08/2025
Por: Luiza Alcantara