Todas as obras das maiores usinas hidrelétricas brasileiras envolveram, em maior ou menor grau, conflitos ambientais. Em razão de seus impactos, os projetos são palco de infindáveis controvérsias e ânimos acirrados.
Predominantemente instaladas no interior do país, junto a grandes rios imersos em florestas ainda intocadas, as hidrelétricas acarretam o difícil encontro do caos que envolve obras deste patamar – com milhares de trabalhadores, maquinário pesado, edificação de barragem, formação de reservatório e alteração da paisagem – com os povos tradicionais que lá habitam, cada qual com seus costumes e crenças próprias.
Esbarrando-se empreendedores e indígenas, muitas vezes sem prévio estudo, planejamento e adoção de medidas mitigadoras, ganham os conflitos grande repercussão midiática e atraem a intervenção do Ministério Público e de entidades protetivas, como ocorreu nas usinas de Tucuruí e Belo Monte, no Pará, e ainda em Jirau, no Estado de Rondônia.
Mais recentemente, ainda neste mês de julho, irrompeu os meios de comunicação a contenda envolvendo a instalação da UHE São Manoel, na divisa entre Pará e Mato Grosso, e os indígenas da região, que ocuparam o canteiro de obras em reflexo de sua insatisfação com a alegada intervenção em locais sagrados. No embate, todos perdem.
Por si só, a questão indígena já desperta dificuldades. A partir do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do caso Raposa Serra do Sol, agora tornado vinculante em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) aprovado pelo presidente Michel Temer, consolidou-se que indígenas apenas têm direito à demarcação da terra quando atendido ao requisito da tradicionalidade, com a ocupação da área pretendida desde a data da promulgação da Constituição Federal de 1988, o que felizmente elucida muitas das discussões no tema. No entanto, a cada encontro, o debate se complica com elementos muitas vezes inéditos, como quando condenada a companhia aérea Gol ao pagamento de indenização pelo dano espiritual sofrido por índios em virtude da queda de avião em suas terras.
Transformar traumáticos esbarrões em uma caminhada pacífica demanda grande diligência, assessoria adequada, planejamento e respeito por parte daqueles que almejam empreender em áreas marcadas por terras indígenas, cuja organização social, costumes, línguas, crenças e tradições devem ser devidamente abrangidas em estudos do componente indígena e alvo de ações mitigadoras efetivas, notadamente através do diálogo com o órgão indigenista oficial, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a fim de que usina e índios possam conviver em harmonia.
Por Beatriz Campos Kowalski
Postado em 24/07/2017
Cadastre-se para receber nossa newsletter e fique a par das principais novidades sobre a legislação ambiental aplicada aos diversos setores da economia.