As APPs dos Reservatórios de Águas Artificiais e o Novo Código Florestal: O que prevalece?

A Lei n. 12.651/2012 (Novo Código Florestal), após longo e amadurecido debate durante todo o trâmite legislativo, é, desde 2012, o regramento que norteia a compatibilização entre o uso de propriedades e a necessária preservação das florestas e vegetações de espaços especialmente protegidos no Brasil.

O Novo Código Florestal, como é extremamente natural e saudável em uma sociedade em constante dinamicidade e transformação, revogou o “antigo” Código Florestal (Lei n. 4.771/1965), que, por sua vez, já havia revogado o Código Florestal de 1934 (Decreto n. 23.793/1934). As inovações e alterações legislativas, normalmente vistas com bons olhos – ou, ao menos, com entusiasmo e esperança – em outros âmbitos do Direito (vide o celebrado Novo Código de Processo Civil de 2015), parecem ser sempre mais complicadas e traumáticas quando o assunto é Direito Ambiental.

Certamente, é preciso muita atenção e diligência ao se alterar um regramento ambiental, até mesmo porque o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está previsto no artigo 225 da Constituição da República de 1988 e uma modificação legislativa que o viole é inconstitucional. Entretanto, o que se denota da efervescência das modificações legislativas em Direito Ambiental é que, indo muito além dos mecanismos de controle de constitucionalidade existentes, por vezes parece haver uma tentativa de modulação da constitucionalidade de normas com base em opiniões.

Como singelo exemplo desta celeuma envolvendo alterações legislativas em matéria ambiental, cita-se a Resolução CONAMA n. 302/2002, que, editada para regulamentar o Código Florestal de 1965, trata de Áreas de Preservação Permanente (APPs) de reservatórios d’água artificiais. A Resolução do CONAMA trazia uma sistemática para delimitação dessas APPs (art. 3º), sendo que o Novo Código Florestal trouxe outra (art. 4º, art. 62).

Então, aplica-se o Novo e vigente Código Florestal, ou a Resolução que regulamentava o Código Florestal revogado? A resposta pode parecer óbvia, mas o que ocorre na prática é que muitos defendem a aplicação da Resolução do CONAMA em detrimento do Código Florestal.

Ano passado, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (Arguição de Inconstitucionalidade n. 1.0144.13.003890-0/004, in DJe 07/04/2017), com fundamento no princípio da proibição ao retrocesso ambiental, declarou a inconstitucionalidade do art. 62 do Novo Código Florestal, entendendo, em suma, que a Resolução do CONAMA n. 302/2002 era mais protetiva ao meio ambiente.

A despeito de qualquer juízo de valor entre dispositivos em vigor e aqueles revogados (o que já foi demasiadamente feito durante o processo legislativo que culminou com a elaboração do Novo Código Florestal), o que se defende é que o controle de constitucionalidade de normas deve ser feito com base estritamente na Constituição, privilegiando ainda a necessária segurança jurídica para os cidadãos.

Se um dispositivo fere o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, deve ser declarada sua inconstitucionalidade. Afora isso, deve-se deixar de lado opiniões e aplicar normalmente a legislação em vigor, deixando atos normativos revogados (como o antigo Código Florestal e seus regulamentos, vide a Resolução CONAMA n. 302/2002) no passado. Caso contrário, infelizmente somente se demonstrará que, mais uma vez, o ex-Ministro da Fazenda Pedro Malan estava coberto de razão ao afirmar que, “no Brasil, até o passado é incerto”.

Por Nelson Tonon Neto

Atualizado em 30/05/2018

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