A novela restinga

Com mais de 7.367 km de extensão, o litoral brasileiro concentra as maiores cidades do país e destinos turísticos para todos os gostos. O Brasil, por mais que se verifique crescente ocupação do interior, ainda pulsa com maior força na região litorânea.

Não é de se espantar, pois, que um debate sobre a caracterização, ou não, das restingas em faixa mínima de 300 metros medidos a partir da linha de preamar máxima como área de preservação permanente (APP) – ou seja, em regra não edificável – cause polêmica. É este o conteúdo do art. 3º, IX, ‘a’, da controversa Resolução n. 303/2002 Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que, regulamentando o antigo Código Florestal (Lei Federal n. 4.771/1965), dispôs sobre parâmetros, definições e limites de APPs.

Alçada a discussão a todos os Tribunais de Estados banhados pelo mar, bem como às Cortes Superiores, esta novela ganhou latência nos últimos meses no Estado de São Paulo, onde entende o órgão ambiental (CETESB, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) pela prevalência do atual Código Florestal (Lei Federal n. 12.651/2012, que revogou a Lei n. 4.771/1965) sobre a Resolução CONAMA n. 303, limitando a faixa de APP às restingas efetivamente fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues, independentemente do critério locacional de trezentos metros.

Em síntese, para a CETESB (e grande parte dos estudiosos do tema, com destaque para o Projeto de Decreto Legislativo n. 108/2015, que susta a aplicação da Resolução), com o advento da Nova Lei Florestal, revogando o Código de 1965, teriam sido também revogadas todas as normas que o regulamentavam, incluindo a CONAMA n. 303.

Em terras paulistas, opondo-se ao pensar da CETESB em relação à proteção do meio ambiente, os Ministérios Públicos Estadual e Federal decidiram adotar postura proativa, ajuizando a Ação Civil Pública n. 0000104-36.2016.403.6135, tendo o Juiz competente determinado, em sede de liminar, que a CETESB aplique a Resolução CONAMA n. 303 “em todos os seus procedimentos administrativos de licenciamento e autorização ambientais em curso sob sua competência”.

Mantido o comando pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (Agravo de Instrumento n. 0022587-35.2016.4.03.0000/SP, julgado em 19 de julho de 2017), à exceção do afastamento de multa pelo descumprimento da determinação de origem, decidiu o Secretário de Estado do Meio Ambiente por renovar norma (fenômeno da repristinação) de 2009 (Resolução SMA n. 09), de modo a que o órgão ambiental considere os trezentos metros em sua análise, sem, contudo, perder a discricionariedade em “estabelecer a definição técnica sobre restinga e a aplicação da legislação correlata”, definindo critérios para a caracterização como APP, conforme recente Resolução SMA n. 82, de 21 de agosto de 2017.

Voltou a valer, assim, comando pelo qual não serão admitidas a supressão de vegetação e quaisquer intervenções em áreas localizadas na planície costeira na faixa de 300 metros a contar da linha de preamar máxima, “quando recobertas por vegetação nativa de restinga nos termos definidos pela Resolução CONAMA n. 07/1996, como segue: a) Vegetação de praias e dunas; b) Vegetação sobre cordões arenosos: escrube, floresta baixa de restinga, floresta alta de restinga; c) Vegetação associada às depressões: entre cordões arenosos, brejo de restinga, floresta paludosa, floresta paludosa sobre substrato turfoso; d) Floresta de transição restinga-encosta” (art. 2º, II).

Ainda, “nas áreas localizadas na faixa de 300m (trezentos metros) a contar da linha de preamar máxima que não estejam abrangidas pelo artigo 2º desta Resolução, deverá ser avaliado se estão caracterizadas as funções ambientais de preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade e do fluxo gênico de fauna e flora, proteção do solo e manutenção do bem estar das populações humanas” (art. 3º).

Ou seja, dispôs o Estado de São Paulo que a faixa de 300 metros não se caracteriza simplesmente como APP, de modo que, como torna ainda mais claro o parágrafo único do citado art. 3º, “não sendo verificadas as funções ambientais descritas no caput, considera-se não haver a ocorrência de restinga”.

A manifestação dos autores da Ação Civil Pública sobre a medida adotada pelo Secretário de Estado do Meio Ambiente de São Paulo e o resultado final da disputa, além de outros debates Brasil afora, são cenas para os próximos capítulos. Desta novela, o fundamental é um breve desfecho, aportando segurança jurídica para todos os envolvidos.

Por Beatriz Campos Kowalski

Postado em 05/09/2017

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