O déficit florestal brasileiro

 

Por André Zecchin

Sergio Zacchi/ValorSegundo a Society for Ecological Restoration (SER), restauração ecológica é o processo que auxilia a recuperação de ecossistemas degradados, danificados ou destruídos, aplicável aos mais diversos ambientes, se diferenciando das demais técnicas de recuperação de áreas degradadas. Enquanto outras técnicas buscam apenas criar uma cobertura vegetal para contribuir na proteção do solo ou na melhoria do potencial produtivo agrícola, a restauração ecológica recupera a diversidade de espécies, estrutura e funcionamento dos ecossistemas, em condições semelhantes às que existiam antes de sua degradação.

Atualmente os grandes propulsores da restauração ecológica no Brasil são os mecanismos legais que ajudam a colocar em prática ações dessa natureza – na sua maioria, consequência de autuações por crimes ambientais, de medidas compensatórias provenientes do licenciamento ambiental e da adequação ambiental de propriedades rurais. Em 2012 o governo brasileiro aprovou a nova Lei de Proteção da Vegetação Nativa (nº 12.651), que trata da necessidade de restauração da vegetação nativa situada em Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL).

Apesar de existir uma variação, baseada nos parâmetros de restauração estabelecidos pela Lei 12.651/2012, uma análise realizada em 2014 pelo professor do Instituto de Geociências da UFMG Britaldo Silveira Soares Filho estimou que o Brasil tem cerca de 21 milhões de hectares com déficit de vegetação nativa localizadas em APPs e RLs de propriedades rurais, uma área maior que o Estado do Paraná. Assim, é possível dizer que há milhões de hectares de terras que podem ser restauradas nos próximos anos.

No entanto, para o sucesso da restauração é importante que o agricultor tenha consciência de que áreas de vegetação nativa bem conservadas são essenciais a suas atividades agrícolas, e não somente uma exigência legal. Estas áreas fornecem benefícios, conhecidos como serviços ecossistêmicos, como a água para irrigação, polinizadores para produção de frutos, o controle biológico para combate a pragas, além da ciclagem de nutrientes para fertilidade dos solos.

Estudos demonstram, por exemplo, que algumas variedades de soja podem produzir até 61,38% mais vagens na presença de abelhas. Os exemplos de benefícios, sobretudo para agricultura, são inúmeros, o que evidencia a necessidade de considerar a restauração ecológica e a conservação de áreas da vegetação nativa como elementos essenciais desde o planejamento da propriedade rural.

Sozinha, a pressão da lei sobre a necessidade de restauração não é suficiente para atingir resultados efetivos

Embora a equação pareça simples, a maior parte dos agricultores tem grande resistência a aceitar a restauração em suas propriedades. O principal motivo é o entendimento de que a substituição de áreas agrícolas por vegetação nativa cessa a fonte de lucro sobre aquela área e ainda gera uma nova fonte de despesa com as ações de restauração. No âmbito da agricultura familiar, a resistência pode ser ainda maior, pois os espaços disponíveis nas propriedades são escassos e a restauração, para o agricultor, pode significar uma redução ainda maior da área para cultivo.

Para vencer essa resistência, três soluções podem ser trabalhadas, de forma isolada ou integrada: a regularização ambiental determinada por força de lei; a adequação da propriedade conforme aptidão agrícola; e a conciliação da restauração ecológica com atividades econômicas.

Na primeira solução, a lei 12.651/2012 (também conhecida como novo Código Florestal) estabelece porções da propriedade rural, tais como o entorno de corpos d’água, áreas de declividade acentuada ou áreas de elevada altitude, que devem ser protegidas na forma de Áreas de Preservação Permanente e ainda uma porcentagem da propriedade como Reserva Legal. Em ambas as situações, as porções de terra devem ser compostas por vegetação nativa. Caso essa vegetação já não exista, a área deve ser obrigatoriamente restaurada.

Em caso de não cumprimento, o proprietário fica sujeito a sanções legais e a restrições de créditos agrícolas. Essa alternativa torna mais fácil o convencimento do agricultor sobre a necessidade de adesão à restauração ecológica, uma vez que o proprietário não pode usar essas áreas para produção agrícola. No entanto, a pressão da lei sobre a necessidade de restauração, embora extremamente importante, não é suficiente, sozinha, para atingir resultados efetivos na conservação da paisagem.

A segunda solução vai além das exigências legais e refere-se à restauração ecológica em áreas de baixa aptidão agrícola na propriedade rural. O objetivo é identificar áreas que não sejam utilizadas pelo agricultor, em razão da existência de afloramentos de rocha, solos rasos, de baixa fertilidade ou com declives muito acentuados, e restaurar com vegetação nativa. Essa solução também serve para identificar áreas com alta aptidão agrícola que, se bem manejadas, podem trazer aumento de produtividade e, consequentemente, de renda para os proprietários.

A terceira solução é a conciliação de atividades de restauração de vegetação nativa com atividades econômicas não madeireiras, por meio de sistemas agroflorestais com espécies nativas. Atualmente no Brasil existem diferentes iniciativas com agroflorestas, como o cultivo do cacau na região Nordeste, do açaí no Norte e da erva-mate no Sul do país. Além de viabilizar a restauração da vegetação nativa, essa alternativa permite ao agricultor diversificar a atividade econômica de sua propriedade.

Em suma, é necessário e urgente que as ações de restauração ecológica ganhem escala, independentemente da solução que seja adotada. Somente assim será possível sanar os 21 milhões de hectares do déficit de vegetação nativa e reverter – ou ao menos minimizar – os inúmeros impactos oriundos da degradação ambiental nas propriedades e paisagens rurais.

André Zecchin é biólogo e técnico da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).

Fonte: Valor Econômico

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