Povos indígenas: o que eles têm a ver com o licenciamento ambiental do meu projeto?

No meio do caloroso embate de artigos e manifestações ocorridas na semana passada acerca da aprovação do Projeto da Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3.729/2004), uma específica postagem do Relator do PL, Deputado Kim Kataguiri (vide instagram), chamou atenção.

Nela, constou a informação de que as obras da Usina Hidrelétrica de Belo Monte ficaram 30% mais cara em razão da compensação ambiental exigida pela Fundação Nacional do Índio –  FUNAI. Dentre os pedidos constaram: torres de telefone, 40 picapes 4×4 com ar condicionado, 13 tratores e etc. 

Pela descrição, pergunta-se quais os possíveis impactos diretos poderiam ocasionar esse tipo de compensação? Exato. Não há resposta. As obrigações deveriam ser diretamente relacionadas aos impactos dos empreendimentos. Por essas e outras razões, a aprovação do PL se justifica. Faz-se necessário a imposição de limites no licenciamento. 

Sabe-se que a participação, especialmente, dos povos indígenas e quilombolas no processo de licenciamento ambiental tem sido uma celeuma. Vide os inúmeros casos de judicialização envolvendo empreendimentos estruturantes. Cite-se, como exemplo, as UHEs Belo Monte, Tapajós e Teles Pires, o Polo Naval do Amazonas, Porto no Lago do Maicá, e diversos outros Terminais Portuários. 

A grande maioria dessas ações têm como fundamento a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades quilombolas, índios e tradicionais diretamente afetados pelas obras, nos termos do art. 6º da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT.  

O referido artigo da Convenção, dispõe que os governos deverão “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.  O interessante dessas ações é que quando trazido o argumento de violação do dispositivo, refere-se apenas a questão da possibilidade da afetá-los. Sem fazer menção ao afetá-lo diretamente

Inclusive, esse foi um dos argumentos utilizados pelo Ministério Público, em uma Ação Civil Pública (ACP nº 10019067320204013902, 2ª Vara Federal de Santarém/PA, em face de um Terminal de Uso Privativo no Pará, no qual o parquet requereu liminarmente a anulação da licenças prévia e de instalação expedidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (SEMAs). Atualmente, o juízo está no aguardo de manifestação dos requeridos para então apreciar o pedido liminar.  

Conforme já discorremos no artigo “Licenciamento Ambiental e a Consulta Prévia aos Povos Indígenas e Tribais da Convenção 169 da OIT”, o artigo 15,2 da Convenção trata especificamente da consulta prévia aos povos indígenas ou tribais no processo de licenciamento ambiental. Há dois critérios cumulativos para que isso ocorra. Primeiro, os povos impactados precisam ser de fato indígenas ou tribais, nos termos conceituados pela norma. Segundo, o projeto em licenciamento há de estar localizados em terras indígenas ou tribais (e ali prospectar ou explorar recursos). Caso esses critérios não sejam atendidos de forma cumulativa, os anseios e direitos devem ser apreciados durante a típica participação popular afeta ao processo de licenciamento ambiental. 

Cabe registrar também que, ao depender do caso, a participação desses povos em processo de licenciamento pode ocorrer por intermédio de órgão representativo (ad exemplo, a FUNAI), de maneira não vinculante, conforme dispõe o art. 13, §1º, da Lei Complementar n. 140/2011

Os procedimentos a serem observados pela Fundação nos processos de licenciamento ambiental estão previstos na Instrução Normativa FUNAI nº 2/2015. Para isso ocorrer: (i) as atividades ou empreendimentos devem estar localizados nas terras indígenas a que se refere o inciso XII do art. 2º da Portaria Interministerial n. 60/2015 , e (ii) possam ocasionar impacto socioambiental direto nas áreas mencionas no inciso i, considerados os limites estabelecidos pelo Anexo I da referida portaria. Nos casos de empreendimentos pontuais como portos, mineração e termoelétricas a distância varia de 10 km se localizados na Amazônia Legal e 8 km nas demais regiões. Percebe-se aqui que esses critérios também são cumulativos. Caso não aplicados, pode órgão ambiental não instar a FUNAI a se manifestar. 

Por fim, espera-se que o PL da Lei Geral de Licenciamento Ambiental (PL 3.729/2004) tende a desburocratizar o processo de licenciamento, estabelecendo regras claras quanto a participação da FUNAI e demais autoridades envolvidas no licenciamento ambiental. A princípio, a proposta prevê a participação quando existir na Área Diretamente Afetada (ADA) ou na Área de Influência Direta (AID) terra indígena com portaria de declaração de limites ou objeto de portaria de interdição em razão da localização de índios isolados (art. 38). De toda forma, tal manifestação permanecerá sem vínculo na tomada de decisão do órgão licenciador, caso assim o entenda (art. 38, §1º). 

Como se vê, a questão da participação dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais é um assunto que deve ser estudado e analisado caso a caso. Por outro lado, a melhor construção legal é aquela em que se prevê a compatibilização do desenvolvimento de empreendimentos com o respeito ao meio ambiente e comunidades nele inserida. 

Por Gleyse Gulin

Postado dia 03/03/2020



Facebook Comments

Newsletter

Cadastre-se para receber nossa newsletter e fique a par das principais novidades sobre a legislação ambiental aplicada aos diversos setores da economia.

× Como posso te ajudar?