Afinal, ter animais silvestres em casa é ilegal? Entenda as possíveis repercussões penais e administrativas de ter esses animais, como papagaios e tartarugas, de estimação.

Em novembro de 2019, um despacho emitido pela presidência do IBAMA sob o número 6299093/2019-GABIN gerou repercussões nos veículos de comunicação e nas redes sociais ao permitir a posse de aves (psitacídeos) por particulares quando comprovada a posse prolongada de no mínimo 8 anos e a ausência de maus-tratos. 

De um lado, internautas afirmam que a decisão do órgão ambiental foi correta ao levar em consideração o tempo de convivência do animal e a adaptação ao ambiente doméstico, cenário em que a reintegração ao habitat natural poderia trazer mais prejuízos do que benefícios. De outro, houve defesas no sentido de que a posse de animais silvestres não deveria ser permitida em qualquer hipótese, destacando o papel do órgão no resgate, tratamento e retorno ao ambiente natural.

De todo modo, você sabe quais são as repercussões penais e administrativas de ter papagaios, tartarugas e demais animais silvestres como animais de estimação? É o que se procura esclarecer neste artigo.

A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), ao ser promulgada, estabeleceu como crime, em seu art. 29, o ato de matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida, submetendo o infrator à pena de detenção de seis meses a um ano, e multa. 

Conforme §1º, nas mesmas penas incorre quem (i) impede a procriação da fauna; (ii) modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural; ou (iii) vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados.

A pena, fixada de detenção de seis meses a um ano, e multa, pode ser aumentada pela metade se o crime for praticado contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local da infração. O aumento também será aplicado caso o crime ocorra em período proibido à caça, durante a noite, com abuso da licença concedida, em unidade de conservação ou com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em massa (§4º). Em se tratando de crime ambiental decorrente do exercício de caça profissional, o aumento de pena é ainda maior, sendo elevado até o triplo (§5º).

No âmbito administrativo, o Decreto 6.514/2008, por sua vez, também estabeleceu como infração ambiental a conduta de matar, perseguir, caçar, apanhar, coletar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória sem autorização do órgão ambiental competente, consolidando uma responsabilidade administrativa aplicável ao infrator pelo mesmo ato criminoso descrito na Lei de Crimes Ambientais. 

Aqui, na seara administrativa, a penalidade imposta será de multa, estabelecida em R$ 500,00 por indivíduo de espécie não constante de listas oficiais de risco ou ameaça de extinção, ou R$ 5.000,00 por indivíduo de espécie constante de listas oficiais de fauna brasileira ameaçada de extinção. Se, no caso em apreço restar constatada a finalidade de obter vantagem pecuniária, a multa será aplicada em dobro (§1º). Já na hipótese de não ser possível a aplicação do critério de unidade por espécime para a fixação da multa, o valor será fixado em R$ 500,00 por quilograma ou fração.

Ocorre que tanto a Lei de Crimes Ambientais quanto o Decreto n. 6.514/2008 possibilitam o afastamento das penalidades em alguns cenários relativos à guarda doméstica do animal silvestre. 

Nos termos do art. 29, §2º da Lei 9.605/1998, o juiz, considerando as circunstâncias do caso em concreto, pode deixar de aplicar a pena, desde que a espécie silvestre não seja ameaçada de extinção. Seguindo a mesma lógica, o Decreto 6.514/2008 determinou no §4º do art. 24 que “No caso de guarda doméstica de espécime silvestre não considerada ameaçada de extinção, pode a autoridade competente, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a multa, em analogia ao disposto no § 2o do art. 29 da Lei no 9.605, de 1998.” O §4º do referido Decreto ainda possibilita outro cenário de não aplicação da multa administrativa, impondo à autoridade competente deixar de aplicar as sanções previstas quando o agente espontaneamente entregar os animais ao órgão ambiental. 

Tais exceções aos dispositivos penais e administrativos têm levado os tribunais brasileiros a permitirem, em determinados casos, a continuidade da posse de animais silvestres por particulares, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. 

É com base nesse entendimento jurisprudencial, já consolidado pelo próprio STJ1, que o IBAMA emitiu o supracitado Despacho n. 6299093/2019-GABIN no âmbito do processo 02019.001011/2008-07, firmando como orientação geral a ser seguida a validade da posse de psitacídeos desde que prolongada (mínimo de 8 anos) e ausente maus-tratos, vedando-se a sua apreensão pela fiscalização e o seu recebimento no Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), salvo se comprovado o não atendimento dos requisitos mencionados. 

A decisão do órgão, no entanto, limitou-se à análise de casos que versam sobre a posse de psitacídeos, em nada dispondo sobre as demais espécies de animais silvestres, cuja posse deve ser analisada caso a caso.


1PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AMBIENTAL. GUARDA DOMÉSTICA DE PAPAGAIOS. ANIMAIS ADAPTADOS AO CONVÍVIO DOMÉSTICO. POSSIBILIDADE DE MANUTENÇÃO DA POSSE. AGRAVO INTERNO DO IBAMA DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior consolidou entendimento da possibilidade de manutenção de animal silvestre em ambiente doméstico quando já adaptado ao cativeiro por muitos anos, em especial, e quando as circunstâncias fáticas não recomendarem o retorno ao seu habitat natural, como ocorreu no caso dos autos. 2. Agravo Interno do IBAMA desprovido. Precedentes: AgInt no REsp. 1.389.418/PB, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 27.9.2017; AgInt no REsp. 1.553.553/PE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 28.8.2017.

[STJ, 1ª T., v.u., AgInt no AREsp 668.359/RS, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 28/11/2017, DJe 05/12/2017]

Publicado dia 27/03/2023.

Por: Jaqueline de Andrade

Facebook Comments

Newsletter

Cadastre-se para receber nossa newsletter e fique a par das principais novidades sobre a legislação ambiental aplicada aos diversos setores da economia.

× Como posso te ajudar?