É necessário manter parte da vegetação de Mata Atlântica existente em um imóvel para o desenvolvimento de um projeto greenfield?

Quando se deseja desenvolver um empreendimento greenfield, onde não está presente infraestrutura para suportar o projeto, normalmente em área com menos intervenções humanas, é comum a dúvida: é possível suprimir a vegetação existente, quando pertencer ao bioma Mata Atlântica? Na integralidade do imóvel, mediante compensação, ou há uma restrição legal que impede que determinada quantidade de vegetação seja suprimida? Há quem entenda que é necessária a manutenção de 30 a 50% da vegetação existente no imóvel, a depender do seu estágio de regeneração e a data que o imóvel foi inserido no perímetro urbano. Entendemos, no entanto, que essa restrição não é aplicável em relação à supressão necessária para implantação de empreendimentos de utilidade pública, indispensáveis ao desenvolvimento da infraestrutura nacional, como terminais portuários, usinas hidrelétricas, usinas termelétricas e parques eólicos, mas apenas para “loteamentos e outras edificações”, conforme expressa previsão legal.

O bioma Mata Atlântica é um dos mais relevantes do país, tendo sido elevado a categoria de patrimônio nacional pela Constituição Federal. Possui um regime jurídico próprio e especial de proteção, bastante complexo, fixado pela Lei n. 11.428/2006 e seus regulamentos. Este diploma legal define regras próprias relativas à competência para a autorização de corte de vegetação desse bioma, assim como a necessidade de anuência de outros entes para o seu prosseguimento. As hipóteses que autorizam a supressão e que a proíbem dependem das características da vegetação e do tipo de atividade a ser desenvolvida. Ainda, há rigorosas regras relativas à mitigação e compensação decorrente do corte de vegetação do referido bioma.

Dentro das normas que regem a utilização e proteção da Mata Atlântica, existem regimes jurídicos específicos no que diz respeito às possibilidades de supressão da vegetação deste bioma, sujeitos ao cumprimento de exigências e requisitos próprios. São eles: (i) regime geral, aplicável aos casos de utilidade pública e de interesse social (art. 30); (ii) regime jurídico para loteamento e edificações em áreas urbanas ou regiões metropolitanas (arts. 30 e 31); e (iii) o regime jurídico para atividades minerárias (art. 32).

As hipóteses de utilidade pública, que interessam ao presente artigo, são bastante restritas, abrangendo tão somente, as “atividades de segurança nacional e proteção sanitária”, assim como, “as obras essenciais de infra-estrutura de interesse nacional destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia, declaradas pelo poder público federal ou dos Estados” (art. 3º, VII, a e b).

Por ser um regime bastante excepcional, somente nos casos de empreendimentos de utilidade pública é possível a autorização de supressão independentemente da tipologia da vegetação (primária ou secundária) ou do seu estágio sucessional (inicial, médio ou avançado). Nos demais casos, incidem restrições mais rigorosas, como a impossibilidade de supressão de vegetação primária em qualquer hipótese.

É necessário esclarecer que os casos de utilidade pública e interesse social devem estar devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio (processo de licenciamento ambiental, ou processo que visa a autorização de supressão vegetal), bem como deverá inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

Desta forma, cumpridas todas as exigências e requisitos, a lei não impõe restrições quantitativas em relação à supressão de vegetação do bioma passível de ser autorizada de acordo com as normas do regime geral, aplicável aos casos de utilidade pública (art. 14). Não se consideram aplicáveis a esse regime as normas específicas do regime jurídico para loteamento e edificações em áreas urbanas ou regiões metropolitanas (arts. 30 e 31), que obrigam a manutenção de 30% a 50%, da área total coberta pela vegetação.

Apesar disso, na prática diária, não é incomum a exigência por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e de órgãos ambientais estaduais de manutenção de parte da área vegetada, com base na Lei n. 11.428/2006, impondo inclusive a alteração de projetos de empreendimentos que possuem utilidade pública, como terminais portuários e usinas termelétricas. Entendemos que, nessas situações, as obrigações impostas pelos órgãos de meio ambiente não possuem o respaldo legal e, portanto, devem ser revistas.

Por fim, ressalta-se que, em todo caso, deverão ser obedecidas as medidas de mitigação e compensação ambiental previstas na Lei da Mata Atlântica, especialmente a destinação de área equivalente à extensão da área desmatada, com as mesmas características ecológicas, na mesma bacia hidrográfica, sempre que possível na mesma microbacia hidrográfica. Portanto, ainda que seja viável a supressão da vegetação existente na integralidade da área, por opção do legislador, isso não implica de modo algum que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado seja desconsiderado.

Por Bruno de Andrade Christofoli e Alexandre Couto

Postado dia 19/04/2016

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