Gás de xisto está cercado de polêmicas ambientais

A exploração de gás não convencional mal começou no Brasil e já é cercada de polêmicas.  O Brasil é detentor de uma das maiores reservas desse insumo no mundo, que só deverá chegar ao mercado na próxima década.  Tramitam ações do Ministério Público Federal no Paraná e no Piauí que suspendem o início de prospecção nesses dois Estados em áreas concedidas na rodada de licitações realizada pelo governo federal em dezembro passado.  No Congresso, discute-se o projeto de lei 6904/13, que suspende a exploração do gás de xisto pelo período de cinco anos.

O início da exploração de gás não convencional ainda coincide com a falta de água em algumas das maiores cidades do Brasil, o que pode tornar ainda mais sensível política e ambientalmente a questão.  A exploração é feita a partir de hidrocarbonetos que estão presos em formações rochosas impermeáveis em áreas subterrâneas profundas.  Por serem rochas muito duras, a produção é possível somente quando a rocha que contém esses gases é fraturada sob pressão hidráulica, em uma técnica chamada de fracionamento.

A decisão proferida pela Justiça Federal do Paraná mantém suspensa a exploração de recursos não convencionais com uso de fraturamento hidráulico, até que a técnica seja objeto de maiores estudos, seja regulamentada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e elaborada a Avaliação Ambiental de Áreas Sedimentares.  “Essas liminares trazem incerteza jurídica ao processo, além de que não se sabe o que sairá na resolução do Conama”, diz a advogada Luciana Ferreira, do escritório Trench, Rossi e Watanabe.  A judicialização poderá se estender a outros Estados que também tiveram áreas concedidas ano passado.  “Há pressão sobre o Ministério Público em Minas Gerais e Bahia.”

A exploração teve grande sucesso nos Estados Unidos, mas é cercada de polêmicas.  O Estado de Nova York, nos EUA, instituiu moratória sobre as atividades de produção desde 2008.  França e Bulgária baniram a atividade em 2011 e 2012, respectivamente.  A Holanda decidiu em 2013 adiar por 18 meses a decisão sobre a exploração.  Na Argentina, a atividade foi banida na província de Cinco Saltos em 2013, segundo levantamento do escritório de advocacia.

“É um desafio gigantesco produzir gás não convencional com custo e eficiência, não é uma tarefa simples e estamos ainda em um estágio muito embrionário”, afirma José de Sá, sócio da Bain & Co, que ressalta que as experiências de empresas em outros países não são facilmente replicáveis, já que as formações geológicas são muito diferentes.  “A curva de aprendizado é longa e ainda há outras questões como disponibilidade de equipamentos e materiais, como água e areia”, diz ele, que acredita em uma inserção lenta do insumo na matriz energética.

Para Ieda Gomes, diretora da Energix Strategy, o gás não convencional poderá levar mais de dez anos de desenvolvimento no Brasil, que detém a décima maior reserva mundial do insumo, com 245 bilhões de pés cúbicos, segundo estudo do Departamento de Energia dos Estados Unidos.  Se 10% das reservas se provassem viáveis comercialmente, a oferta de gás poderia dobrar no país.  O caminho para explorá-las é longo.  “Boa parte das reservas está em regiões sem infraestrutura de transporte e distante dos centros consumidores”, diz Ieda.  Estudos do governo mostram que algumas das áreas promissoras estão ao redor de áreas de preservação ambiental e de reservatórios de hidrelétricas, o que dificultam as licenças.

Congresso analisa projeto de lei que suspende a exploração do gás não convencional por cinco anos

Ieda ainda aponta dois outros obstáculos.  Primeiro, as empresas independentes de exploração americanas estão voltadas para os Estados Unidos, detentores do maior mercado do mundo de gás não convencional.  Segundo: o regime tributário brasileiro é complexo e as regras de conteúdo nacional dificultam a importação de equipamentos de perfuração hidráulica das rochas, equipamento indispensável para realizar os trabalhos.

O presidente-executivo da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Augusto Salomon, acredita que o gás não convencional não deverá ter presença considerável na matriz em pelo menos seis anos.  “Ainda é preciso aprender com as experiências de outros países”, afirma.

A exploração de gás não convencional provocou uma revolução nos Estados Unidos.  Segundo estudo da Deloitte, o acesso aos hidrocarbonetos presos em formações rochosas fez a produção americana de petróleo pular de cinco milhões de barris por dia em 2008 para 7,4 milhões cinco anos depois, a maior expansão quinquenal da história daquela economia.  Esse movimento coincidiu com uma queda da demanda de petróleo e seus derivados dos EUA, que caiu de 22 milhões de barris por dia em 2005 para 18,9 milhões em 2013.  O déficit comercial relacionado ao setor de petróleo despencou de US$ 386 bilhões em 2008 para US$ 232 bilhões.

Além de melhorar as contas externas, a exploração de gás não convencional tem atraído indústrias para os Estados Unidos, de olho no preço do gás, que está chegando ao mercado a US$ 4 o milhão do BTU.  No Brasil as indústrias pagam mais de três vezes esse valor.  Isso poderá provocar uma mudança geopolítica de investimentos na cadeia química e petroquímica, que poderá fincar bandeiras cada vez mais sólidas nos Estados Unidos.  “Os Estados Unidos estão atraindo investimentos, a China já começa a se interessar, esse cenário poderá trazer grandes impactos sobre o Brasil, que tem um gás pouco competitivo”, diz o superintendente da Associação Brasileira da Indústria do Vidro (Abividro), Lucien Belmonte.

Há preocupação dos industriais brasileiros de que os Estados Unidos se tornem um grande exportador do gás oriundo de fontes não convencionais.  Em maio, o presidente Barack Obama liberou investimento de US$ 10 bilhões de uma unidade no Texas projetada para exportar gás para a Ásia.

Fonte: Valor Online – Por Roberto Rockmann (25/08/2014)

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