Era 16 de abril de 2017, domingo de páscoa, 19:25 h, clássico tenso entre Corinthians e São Paulo válido pelas semifinais do Paulistão. Jô, que é centroavante do Corinthians – e que havia marcado o gol que dava a vitória ao time do Parque São Jorge – e Rodrigo Caio, que é zagueiro do São Paulo, entram na área são-paulina e dividem a bola com o goleiro tricolor. Uma chuteira acerta a coxa do goleiro, que geme de dor rolando pelo gramado. O árbitro da partida, que estava a uns 20 metros do lance chega correndo e encara os dois jogadores. Tensão. Expectativa. Os mais de 50 mil torcedores prendem a respiração e param até mesmo de piscar na expectativa da ação do juiz! Ele marca falta do corintiano Jô e o adverte com um cartão amarelo. Explosão e delírio da torcida são-paulina. Cena absolutamente normal nos estádios brasileiros até que, discretamente, o zagueiro Rodrigo Caio se aproxima do juiz e o avisa que na verdade tinha sido ele que havia pisado na coxa do goleiro de seu time e não o jogador do time adversário. O árbitro então imediatamente anula o cartão amarelo e aplaude a atitude do jogador. Pronto, estavam garantidas as pautas dos jornais Brasil afora.
Surpreendentemente, dentro do meio do futebol, as reações foram mais de condenação à atitude ética do zagueiro são-paulino do que de apoio ou de simplesmente dizer que ele havia feito a coisa certa. Mais emblemática ainda foi a fala de seu companheiro de zaga que afirmou: “melhor a mãe deles chorando do que a minha”, numa clara demonstração que não teria tido a mesma atitude do colega.
Muitas das pessoas que recriminaram a atitude do zagueiro, com os mais variados argumentos (no futebol a ética é diferente; se tem juiz e ele não viu não tem que se acusar; só gostei porque não foi o zagueiro do meu time; entre outros), são as mesmas que criticam os “corruptos da Lava Jato”. São as mesmas que chamam de antiéticos políticos e empresários que fazem conluios para afanar o dinheiro público. São, na verdade, as pessoas que entendem que a ética deve ser aplicada apenas em alguns momentos ou locais de nossas vidas. Nada mais triste. Nada mais terrível. Nada mais perigoso!
Ter esse entendimento significa ter a crença de que os fins justificam os meios. Significa acreditar que “se o juiz não viu, não tem problema”. A partir daí, desviar dinheiro sem ser pego será normal, trapacear para obter vantagem será lícito e colocar os seus interesses pessoais acima dos interesses públicos e da correta aplicação das leis será permitido.
Quando o assunto em pauta é o meio ambiente, assim como no futebol, as paixões são muitas vezes postas acima do bom senso, das normas e da ética.
O servidor de um órgão público não pode conceder uma licença por achar que aquela obra ou projeto é bom ou bonito, assim como não pode negar por achar que algum outro projeto seja feio ou ruim. Deve avaliar o projeto e os estudos ambientais de acordo com as normas aplicáveis ao caso. Um membro do Ministério Público não pode ser contra ou a favor de um projeto baseando seu entendimento apenas em crenças pessoais a respeito do que deve ou não ser construído no Brasil. Ele deve agir como fiscal da correta interpretação da lei. Um magistrado não pode conceder ou negar uma liminar de paralisação de uma obra por ter um viés mais “desenvolvimentista” ou ambientalista”. Ele deve aplicar corretamente a lei, que é o que se espera do Poder Judiciário. Um empreendedor não pode pedir que impactos sejam omitidos de seu projeto para que o mesmo seja aprovado apenas porque ele entende que aquele projeto é bom para a sociedade, ele deve sim fazer todas as adequações necessárias para que o projeto seja viável e ambientalmente sustentável.
A ética deve ser empregada nas questões ambientais independentemente das preferências ou crenças pessoais. O correto emprego da ética fará com que haja justiça, e justiça nesse caso nos parece ser a simples e correta aplicação das leis que regem o assunto. Colocar posições pessoais acima da correta e isenta análise dos casos concretos, agir com ativismo independente do projeto a ser avaliado e “achar” que posições pessoais são melhores do que a aplicação das normas, parece-nos ser como a atitude do companheiro de zaga do Rodrigo Caio, que afirma ser melhor a mãe do outro chorando por uma injustiça do que a minha chorando pela correta aplicação da lei.
Não existe a ética do futebol, a do judiciário, a da política ou a ambiental. Existe apenas e tão somente a ética, que deve ser aplicada por todos, em todas as áreas. Se o conceito de ética pode causar divergências, a correta aplicação das leis, independente de posições pessoais, já é um bom início. Que tenhamos mais “Rodrigos Caios” não somente no futebol, mas em todas as demais áreas, até que as “atitudes éticas” sejam vistas com normalidade e não mais com espanto.
Por Marcos Saes
Postado em 19/04/2017
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