O poder das disposições finais e transitórias no Plano Diretor: o que é combinado não sai caro

O plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana que tem como função regular o desenvolvimento do território municipal promovendo a sua ordenação de acordo com os interesses locais. Nesse contexto, levando-se em conta que se trata de um instrumento de planejamento, e que nem sempre o cenário planejado em determinado momento é efetivamente concretizado e/ou se apresenta como a opção mais vantajosa na prática, o Estatuto das Cidades (Lei n. 10.257/2001) determinou que ele deve ser revisto, pelo menos, a cada dez anos (art. 40, § 3º).

Assim sendo, não é incomum que, especialmente em processos de revisão do plano diretor, surjam dúvidas quanto à aplicação da legislação a obras e edificações que já se encontrem em licenciamento ou sujeitos à aprovação perante os órgãos competentes antes da entrada em vigor da nova lei. Dessa forma, por certo cabe ao poder público municipal fixar um marco, ou seja, definir, nas disposições finais e transitórias, a partir de que momento ou condição as regras do novo plano diretor passarão a ser exigidas.

Em São Paulo, esse marco foi definido pelo artigo 380 do Plano Diretor (Lei Municipal n. 16.050/2014) e pelo artigo 162 da lei que disciplina o parcelamento, uso e ocupação do solo (Lei Municipal n. 16.402/2016), ambos os dispositivos localizados nas disposições finais e transitórias de cada uma das leis.

Em síntese, foi previsto que os processos protocolados até a data de publicação das leis, e sem despacho decisório, serão apreciados integralmente de acordo com a legislação em vigor à época do protocolo, exceto nos casos de manifestação formal do interessado em sentido contrário, a qualquer tempo. Trata-se do chamado “direito de protocolo”, em que resta claro que as novas regras somente serão aplicadas se for de interesse do administrado.

Cabe destacar, porém, que tais dispositivos chegaram a ser questionados em ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo (ADIN n. 2028122-62.2018.8.26.0000). Felizmente a constitucionalidade dos dispositivos foi reconhecida em julgamento realizado no dia 27 de março deste ano. O resultado, inclusive, foi recebido com satisfação pelos especialistas, principalmente porque afastou a aplicação do princípio da vedação ao retrocesso, suscitado na referida ação (para ler mais sobre o referido princípio, acesse nosso artigo O princípio da proibição do retrocesso e o licenciamento ambiental).

A criação de regras claras é necessária para qualquer tipo de relação e isso não difere quando se trata de processos administrativos relacionados ao uso e ocupação do solo municipal. Considerar o novo regramento em qualquer hipótese, porquanto mais restritivo (em tese), não nos parece ser o caminho mais acertado sob o ponto de vista socioeconômico e ambiental, deixando os empreendedores à mercê das vontades políticas que são traduzidas nos instrumentos de planejamento.

Por Manuela Hermenegildo

Postado dia 30/04/2019

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