O art. 69-A e a elaboração ou apresentação de estudo, laudo ou relatório falso ou enganoso: divergência técnica entre profissionais pode caracterizar este crime ambiental?

O licenciamento ambiental é um dos instrumentos mais importantes da Política Nacional do Meio Ambiente que visa, sobretudo, garantir o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população por meio de um controle prévio das atividades e empreendimentos capazes de gerar impactos sobre o meio ambiente.

Tendo em vista a sua importância, a Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998) optou por criminalizar uma série de condutas realizadas no âmbito deste procedimento. Para fins deste artigo destaca-se, dentre os dispositivos legais, o art. 69-A.

A redação do art. 69-A prevê como crime a elaboração ou apresentação, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão, submetendo o infrator à pena de reclusão, de 3 a 6 anos, e multa. 

O §1° também institui a modalidade culposa, cuja pena é de detenção, de 1 a 3 anos, ao passo em que o §2° determina como causa de aumento de pena a ocorrência de significativo dano ao meio ambiente em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa, fixando um aumento variável de 1/3 a 2/3. 

O objetivo central do dispositivo é, sem dúvidas, assegurar a veracidade das informações que são apresentadas no bojo do licenciamento ambiental e conferir maior grau de proteção ao meio ambiente. Entretanto, a aplicabilidade do dispositivo encontra um problema de natureza prática haja vista que, devido à multidisciplinaridade existente em matéria ambiental e a dinamicidade dos elementos que integram o meio ambiente, a definição do que é ou não uma informação falsa ou enganosa não é tão simples quanto parece.

Quando se trata de matéria ambiental, as conclusões nem sempre são as mesmas e as respostas nem sempre são exatas. E não poderia ser de outro modo, uma vez que a ciência ambiental é especializada e fundamentalmente multidisciplinar, de modo que reúne, em um mesmo caso, manifestações, estudos e informações de diversas disciplinas.

É por isso que a mera divergência técnica entre dois ou mais profissionais não pode ter o condão de, por si só, caracterizar o crime do art. 69-A. Na modalidade dolosa, é imprescindível que o agente, por sua própria vontade e consciência, saiba que o estudo, laudo ou relatório ambiental não condiz com a realidade do objeto de análise e, ainda assim, opte por apresentar as informações inverídicas à autoridade, caracterizando uma verdadeira tentativa de burlar o sistema procedimental vigente com a apresentação da informação falsa ou enganosa. 

Na prática, é necessário distinguir o profissional que decide, no exercício de sua razão, apresentar informações contrárias à realidade – possuindo plena ciência de que o laudo, estudo ou relatório é falso ou enganoso e que contraria toda a literatura vigente a respeito do assunto -, do profissional que, baseado em dados científicos, emite a sua opinião acerca do tema que lhe foi proposto. Na segunda hipótese, o que há é o mero exercício profissional de quem realizou o trabalho para o qual foi contratado, e é por isso que as sanções do art. 69-A devem recair somente sobre a primeira hipótese.

As divergências entre profissionais na esfera ambiental são inerentes à dinamicidade e variedade das informações que serão apresentadas no procedimento de licenciamento ambiental devido à existência de diferentes métodos, teorias, sistemas e equipamentos, não necessariamente sendo um melhor que o outro. Isso evidencia o cuidado essencial ao se verificar a falsidade das informações apresentadas, não sendo suficiente a simples contraposição das conclusões de laudos particulares e de técnicos dos órgãos ambientais. 

Esse cuidado deve ser ainda maior na modalidade culposa do crime descrito no art. 69-A, sob pena de permitir a condenação por atos decorrentes do simples exercício profissional assegurado no art. 5º, IX1, da Constituição Federal de 1988.


1 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

Publicado dia 04/12/2023

Por: Jaqueline de Andrade

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