Precisamos falar sobre energia nuclear

De acordo com o novo Relatório da Agência Internacional de Energia – AIE, o ano de 2021 apresentou um aumento de 5% na demanda por eletricidade, com quase metade desse aumento sendo atendido por fontes de combustíveis fósseis, especialmente o carvão. Esse aumento ameaça impulsionar as emissões de CO2 do setor de energia para níveis recordes em 2022.

Estes dados mostram que os esforços globais para o incentivo às energias renováveis ​​não estão se mostrando suficientes para satisfazer as demandas globais por eletricidade. Isso porque de acordo com o Relatório da AIE, com base nas atuais configurações de política e tendências econômicas, apesar da previsão de significativo aumento na geração de energia a partir de fontes renováveis em todo o mundo – mais de 6% em 2022, estas​ só serão capazes de atender a aproximadamente metade do aumento projetado na demanda global. 

Nesse sentido, para caminharmos em uma trajetória sustentável, é preciso intensificar o investimento em tecnologias de energia limpas, renováveis e eficientes. Quando falamos sobre energia renovável estamos nos referindo àquela energia derivada de fontes que podem se autorregenerar naturalmente. É o caso da energia eólica e da energia solar. Por outro lado, quando falamos sobre energia limpa estamos nos referindo àquelas fontes de energia que não produzem gases do efeito estufa – GEE, como a energia derivada de hidrelétricas. 

As hidrelétricas, apesar de serem fontes de energia limpa e renovável, porque não emitem GEE e utilizam a energia da água corrente, sem reduzir sua quantidade, ainda podem causar impactos negativos ao meio ambiente. Os impactos de uma construção de reservatório de hidrelétrica podem incluir: a destruição de florestas, de habitats de vida selvagem e de terras agrícolas. Além disso, tanto a energia produzida por hidrelétricas, como a energia solar e a eólica, são imprevisíveis, porque dependem da quantidade de água, sol e vento disponíveis. E é por isso que precisamos falar sobre a energia nuclear.

A energia nuclear é um tipo de energia renovável que é liberada através de uma divisão de átomos de urânio em um reator que aquece a água em vapor, girando uma turbina e, assim, gerando eletricidade. Considerando que os geradores funcionam independentemente da disponibilidade de sol, vento ou níveis de água, podemos afirmar que a produção de energia nuclear é altamente previsível. Nesse sentido, a energia nuclear é atualmente a fonte de eletricidade renovável mais promissora.

Ocorre que a reputação da energia nuclear não é das melhores. A lembrança do desastre de Chernobyl em 1986 permanece até os dias atuais como uma eterna advertência sobre o potencial catastrófico dessa tecnologia. Em 2011, o acidente em Fukushima mostrou que a energia nuclear ainda oferecia riscos para o ser humano e para o meio ambiente. Além disso, mesmo nos casos em que os reatores operam sem falhas, eles ainda produzem resíduos altamente tóxicos, que levam centenas de anos para se decompor.

Ainda que a energia nuclear possa se tornar uma arma altamente destrutiva, os riscos de catástrofes nucleares são relativamente baixos, se compararmos com os impactos negativos decorrentes do uso dos combustíveis fósseis, por exemplo, como carvão ou petróleo. A discussão, no entanto, não envolve apenas as questões técnicas.

Especialistas dizem que o atual conflito entre Rússia e Ucrânia pode aumentar ainda mais a demanda por energia nuclear. Os países europeus se tornaram tão dependentes da energia produzida pela Rússia que o CEO da Tesla, Elon Musk, sugeriu recentemente, através de um tweet, que a Europa deveria reiniciar as suas usinas nucleares inativas e aumentar a produção de energia das existentes, indicando que essa seria uma atitude necessária para assegurar a segurança nacional e internacional. O Presidente da França, Emmanuel Macron, inclusive, já deixou clara a sua postura em um discurso após a invasão Russa na Ucrânia, quando manifestou a necessidade de um “renascimento nuclear”. 

Atualmente o Brasil possui duas usinas nucleares em operação (Angra I e Angra II) e uma em construção (Angra III), o que corresponde a apenas 3% da matriz energética nacional¹. A Política Nuclear Brasileira (PNB), estabelecida pelo Decreto nº 9.600/2018, e o Plano Nacional de Energia 2050, aprovado pelo Ministério de Minas e Energia em 2020, apresentaram diretrizes estratégicas para o setor energético do país, estabelecendo metas de expansão da indústria do setor nuclear para as próximas décadas. 

É importante lembrar que, no Brasil, empreendimentos destinados a “pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações” estão sujeitos ao licenciamento ambiental, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN)². Assim, no âmbito do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), estes empreendimentos serão licenciados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), e no âmbito do Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (SIPRON), autorizados pela CNEN³. 

De acordo com a World Nuclear Association, hoje a energia nuclear atende a aproximadamente 10% da demanda global por energia, a partir de 440 usinas nucleares em operação em 32 países e cerca de 55 novos reatores em construção4. O funcionamento das usinas nucleares, no entanto, depende do fornecimento de matéria bruta, como o urânio. O Brasil possui reservas significativas de urânio, no entanto atualmente o país possui apenas uma única mina de urânio em atividade, localizada na Bahia.  As minas de urânio estão em operação em diversos países, contudo mais de 85% do urânio do mundo é produzido por seis países: Cazaquistão, Canadá, Austrália, Namíbia, Nigéria e Rússia5. Ou seja, isso torna a discussão sobre energia não apenas técnica, mas também – e sobretudo – política.


¹ Fonte: World Nuclear Association. 

²  Conforme a Lei Complementar n. 140/2011, artigo 7º, inciso XIV, alínea “g”.

³ Ressalta-se que, de acordo com o art. 3º da Instrução Normativa n. 19/2018, “dentre os empreendimentos autorizados pela CNEN, o Ibama definirá quais se enquadram no Licenciamento Ambiental Federal – LAF.”

4 Informações atualizadas em 22 de março de 2022.

5 Fonte: World Nuclear Association.

Publicado em: 04/04/2022

Por: Isabella Dabrowski Pedrini

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