O tema do artigo além de ser uma situação fática corriqueira, continua sendo muito debatido no judiciário. Em razão disso, fez-se aqui um resgate e a análise de um caso concreto ocorrido em um loteamento aprovado pelo Município de Florianópolis/SC , na década de 1980, a fim de tratar do assunto.
Apesar de ter se passado aproximadamente 40 anos, a dúvida fática no caso, ainda atual, era se o corpo hídrico em questão era curso d’água ou não. No caso, como em muitos outros, o parcelamento do solo já havia sido aprovado, localizado em uma zona habitada, cuja ocupação se deu de forma regular.
Casos assim devem conduzir à busca pelo reconhecimento da perda da função ecológica do elemento hídrico. Em situações excepcionais a jurisprudência[1] admite a flexibilização da faixa marginal para parâmetros legais inferiores.
No entanto, exige-se que alguns pressupostos fáticos devam ser analisados em conjunto para que seja reconhecida essa redução, a saber: 1) ocupação urbana consolidada à margem de curso d’água sem a observância do afastamento legal; 2) consequente perda das funções ecológicas inerentes às faixas marginais de curso d’água; 3) irreversibilidade da situação, por se mostrar inviável, na prática, a recuperação da faixa marginal; 4) irrelevância, nesse contexto, dos efeitos positivos que poderiam ser gerados com a observância do recuo em relação às novas obras; 5) ausência de alternativa técnica ou locacional para a execução da obra (via de regra, em virtude da extensão reduzida dos lotes); e 6) por fim, a prevalência do princípio da isonomia de tratamento concernente ao exercício do direito de propriedade sobre a proteção da inteira extensão da faixa marginal do curso d’água.
No caso em tela, a realidade fática indica o preenchimento desses requisitos. À época, estava-se diante de ocupação consolidada ao longo de mais de 40 anos, de natureza regular, tendo a aprovação e a autorização da Administração Pública. Dessa forma, a principio, é presumível que houve a perda da função ecológica inerente às faixas marginais, pois todas estavam retificadas e ocupadas.
A situação, na prática, é irreversível: não faria sentido propor o desfazimento de dezenas e dezenas de construções licenciadas pelo poder público em imóveis levados o registro em decorrência de parcelamento do solo regularmente aprovado há mais de quarenta anos.
Assim, demonstrada a perda da função ecológica, o elemento hídrico foi retificado e não mais exerce qualquer tipo de função ambiental. Inexistindo, portanto, razão em se falar em faixa de proteção, assim como em averbação na matrícula dos imóveis essa informação.
[1] TJSC, Apelação/Remessa Necessária n. 5008808-82.2019.8.24.0038, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, rel. Carlos Adilson Silva, Segunda Câmara de Direito Público, j. 10-11-2020.
Publicado dia: 06/06/2022
Por: Camilla Pavan Costa
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