A participação do Tamar no licenciamento ambiental

Se você ver uma tartaruga oliva
Se você ver uma tartaruga de pente
Se você ver uma tartaruga verde ou
Se você ver uma cabeçuda

Eu peço pra você

Deixa a tartaruga nadar, ou
Deixa a tartaruga ir pro mar

Deixa a tartaruga nadar, ou
Deixa a tartaruga
Deixa, deixa

(Canção do Dazaranha)

Surgido na década de 80 a partir de uma iniciativa da Faculdade de Oceanografia da Fundação Universitária de Rio Grande – FURG, o Projeto Tamar é reconhecido internacionalmente como uma bem sucedida experiência de preservação, estudo e conscientização sobre a vida marinha, tendo a sua atuação concentrada especialmente em quelônios1.

Os quelônios são uma das ordens dos répteis, com 14 famílias e 356 espécies diferentes. Popularmente essa ordem costuma ser dividida entre os cágados, de água doce, os jabutis, animais terrestres, e as tartarugas, de natureza marinha, sendo que estes últimos possuem apenas sete espécies, 5 delas consideradas ameaçadas de extinção2.

Imagem 1- Comparativo entre diferentes quelônios3

Em 1988, dando continuidade ao projeto, foi criada a Fundação Pró-Tamar, com a missão de promover a recuperação das tartarugas marinhas. Hoje, atuando de forma consolidada4, a fundação está presente em 23 localidades, distribuídas em 8 estados brasileiros.

Apesar da popularidade do projeto, um aspecto pouco conhecido é a determinação legal de que o Tamar participe de processos de licenciamento ambiental, atuação que pode impactar não apenas nos prazos para a emissão das licenças, mas também na viabilidade locacional e estrutural dos empreendimentos.

Para melhor entender essa participação, é necessário, em primeiro lugar, separar os dois casos em que o nome Tamar é utilizado. 

O Projeto/Fundação Tamar, que já introduzimos, é uma entidade privada e sem fins lucrativos, que atua em parceria com o ICMBio na execução do Plano de Ação Nacional para Conservação das Tartarugas Marinhas – PAN. Por outro lado, dentro do âmbito do ICMBio, ou seja, integrando a Administração Pública, existe o Centro Tamar, um dos Centros de Pesquisa e Conservação do ICMBio, vinculado à Diretoria de Pesquisa, Avaliação e Conservação da Biodiversidade – Dibio.

Enquanto cabe ao Centro Tamar a coordenação do PAN, o Projeto/Fundação Tamar auxilia na execução do programa.

Feita essa diferenciação, cabe abordar as previsões existentes na Resolução Conama nº 10 de 1996. A norma determina que quando certa atividade ou empreendimento ocorrer em área de desova de tartarugas marinhas, o processo de licenciamento somente será efetivado após avaliação e recomendação do Centro Tamar (art. 1º). Dessa forma, a redação é clara ao atribuir a atuação ao braço do ICMBio, e não da Fundação.

Considerando essa competência da autarquia federal, temos que a participação do ICMBio nos processos de licenciamento é regulamentada pela Instrução Normativa nº 10 de 2020. A IN trata especificamente, em seu Capítulo III, do procedimento a ser observado nos casos em que são necessárias manifestações dos Centros de Pesquisa e Conservação, como o Centro Tamar. 

Existem duas formas com que essas avaliações e recomendações podem ser solicitadas. A iniciativa pode partir diretamente do órgão licenciador, direcionada nesses casos para a Dibio (art. 22, I), ou, ainda, por conta da iniciativa da própria Dibio (art. 22, II). Em ambos os casos o prazo de resposta será o mesmo, tendo o Centro Tamar 60 dias, contados da solicitação, para apresentar seus apontamentos (art. 22, parágrafo único).

Outra situação que costuma gerar dúvidas é no tocante ao momento da manifestação, situação relevante considerando que ao longo do processo novas informações são apresentadas, além de ocorrer maior detalhamento dos projetos. A Resolução Conama nº 10 de 1996 não trata de forma direta desse ponto, apenas mencionando a necessidade de que ela ocorra antes da efetivação do licenciamento ambiental. A Instrução Normativa nº 10 de 2020, por sua vez, também não entra em detalhes. 

A resposta é retirada das disposições de outra norma: a Portaria Interministerial 60 de 2015. Essa portaria regulamenta o procedimento de participação dos órgãos intervenientes, entre eles o ICMBio. Dessa forma, o Centro Tamar deverá se manifestar após a elaboração do estudo ambiental (art. 6), em momento anterior às considerações pelo órgão licenciador, e também da realização da Audiência Pública, quando necessária.

Uma última questão é quanto ao caráter e escopo dessa participação, ou seja, sobre o que deve o Centro Tamar se manifestar e quais os efeitos dessa manifestação. 

O Centro de Pesquisa, ao realizar a sua análise, deve se ater às considerações quanto ao impacto da atividade ou empreendimento na desova das tartarugas marinhas, bem como aos questionamentos realizados pelo órgão licenciador (art. 23). Não faz parte das atribuições do Centro Tamar outras análises relacionadas ao licenciamento, que poderão ser objeto de consideração por parte dos demais órgãos intervenientes, e até mesmo de diferentes setores do próprio ICMBio.  

Toda essa atuação tem por objetivo auxiliar o órgão licenciador a compreender os impactos do empreendimento, mas não retira deste a competência para decidir acerca da emissão ou não das licenças. Por esse motivo que a manifestação deve ser entendida como opinativa, não vinculando a tomada de decisão (art. 23, parágrafo único).

A ausência de vinculação, por outro lado, não significa que o órgão licenciador possa simplesmente ignorar as ponderações apresentadas. Todas as análises devem servir de subsídios e embasamento do processo, sendo necessário a existência de contrapontos técnicos ou de complementações para que sejam afastadas as considerações.


1 Informações disponíveis em: https://www.tamar.org.br/interna.php?cod=64. Acesso dia 05 de abril de 2023.

2 Informações disponíveis em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Testudines. Acesso dia 05 de abril de 2023. 

3 Imagem retirada do portal “ponto biologia” e disponível em: https://pontobiologia.com.br/diferenca-entre-jabuti-cagado-tartaruga/?doing_wp_cron=1680636420.1694099903106689453125. Acesso dia 05 de abril de 2023.  

4 Informações disponíveis em: https://www.tamar.org.br/interna.php?cod=63. Acesso dia 05 de abril de 2023. 

Publicado dia: 10/04/2023

Por: Mateus Stallivieri

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