Tempestade em corpo d’água: O que fazer se um rio corta a minha propriedade?

O desenvolvimento das sociedades sempre foi intimamente ligado à utilização da água como recurso, seja para locomoção, consumo, pesca ou irrigação. Não por menos, diferentes civilizações surgiram e se expandiram ao redor de elementos hídricos, tal qual no Brasil. 

No nosso país, essa afirmação é ainda mais evidente, pois além de 58% da população se encontrar no litoral¹, nossa extensão territorial é rica em rios, possuindo 12 bacias hidrográficas – incluindo a maior do mundo, a Bacia Amazônica, com quase 4 milhões de km² dentro da fronteira. Esses rios cruzam cidades, vilarejos, metrópoles e passaram a fazer parte do cotidiano popular.  

Acontece que a nossa legislação, visando proteger tanto o valor ambiental existente nos nossos riachos e córregos, assim como a população que se instalou e convive nos arredores das suas margens, instituiu um regime jurídico diferenciado de ocupação. Nesse sentido se tornou recorrente o questionamento, quando eu posso construir nos arredores de um curso d’água? 

A busca por essa resposta precisa partir inicialmente da identificação da natureza do elemento hídrico em questão. Ao contrário do que se pode inicialmente imaginar, nem tudo que costumeiramente chamamos de “rio” implica em restrição do direito de propriedade. 

O Código Florestal determina que serão consideradas Áreas de Preservação Permanente – APPs as faixas marginais dos cursos d’água naturais, perenes e intermitentes (art. 4º, I). 

A própria definição do curso d’água como natural ou artificial, etapa muitas vezes ignorada pelo proprietário ou órgão ambiental, já é envolta de polêmica. Nem sempre é fácil identificar a ação antrópica (modificações ocasionadas pelo homem) no local, que pode ser antiga e carecer de registros. 

Ocorre que um curso d’água artificial, como  por exemplo uma antiga escavação no solo para escoar água da chuva (vala de drenagem), não atrai o regime jurídico das APPs, sendo fundamental a identificação para determinar as possibilidades de ocupação. 

Ainda que natural a faixa marginal somente se configura como APP se o curso d’água for perene ou intermitente. Isso quer dizer que os rios efêmeros, que surgem devido a chuvas torrenciais, não instituirão áreas protegidas. Novamente é possível que exista dificuldade nessa identificação, pois um rio efêmero pode se confundir com um intermitente, que por sua vez intercala períodos de fluência e de seca ao longo do ano.

A discussão quanto à perenidade também se torna relevante para definir a incidência de APP ao redor dos olhos d’água: caso este não flua naturalmente ao longo do ano, não restará configurado um regime jurídico restritivo. 

Por fim, é preciso relembrar que mesmo a incidência de uma APP não impede toda e qualquer utilização da área. O próprio Código Florestal excepciona o regime para algumas atividades específicas, além de obras de utilidade pública ou interesse social (Saiba mais no artigo “Posso construir em Área de Preservação Permanente?”). 

Constata-se que para além da complexidade normativa, a questão técnica também nem sempre é clara. Um entendimento equivocado pode diminuir consideravelmente a área útil do empreendimento, prejudicando o empreendedor ou até mesmo inviabilizando o projeto. Por isso, um acompanhamento profissional adequado pode garantir um máximo de proveito do terreno, assim como evitar problemas futuros é de todo recomendável. 

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¹https://atlasescolar.ibge.gov.br/images/atlas/mapas_brasil/brasil_distribuicao_populacao.pdf

²https://web.archive.org/web/20180902190400/https://www.todamateria.com.br/rios-do-brasil/

Por Mateus Stallivieri da Costa

Publicado dia 06/07/2020

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