O Código Florestal brasileiro entrou em vigor em 2012, revogando a lei anterior, o Código Florestal de 1965. A nova lei trouxe diversas disposições que afetaram diretamente o direito ambiental brasileiro.
A substituição do Código Florestal antigo pelo novo fez surgir uma pergunta importante: a quem se aplica a lei? À primeira vista, a resposta parece fácil: todo mundo. Afinal, a lei nova revogou a antiga e deve ser aplicada universalmente a todos os cidadãos.
Mas as coisas não são assim tão simples. Há bastante tempo ganha espaço nos tribunais a tese da irretroatividade do Código Florestal de 2012. De acordo com essa teoria, a lei nova não poderia retroagir para afetar situações consolidadas antes de 2012, especialmente quando, no entendimento dos tribunais, a situação prevista era “mais favorável” ao meio ambiente.
Essa tese é uma releitura do princípio da vedação ao retrocesso ambiental. O STF, vale lembrar, já afastou a incidência desse princípio no julgamento das ADIs do Código Florestal. Mesmo assim, a ideia que embasa a não-aplicabilidade das alterações legislativas agora retorna com uma nova roupagem.
Não é preciso ir muito longe para imaginar problemas que decorrem da aplicação dessa tese. Imaginem dois vizinhos que realizaram obras perto de um reservatório artificial: um construiu em 2011, outro em 2013. Aplicando a ferro e fogo a tese da irretroatividade, um deles terá que destruir sua obra, e o outro não. Pior ainda: imagine-se que em 2020 efetivamente ocorra a demolição da obra de 2011. Agora, com o novo Código Florestal, o cidadão vai poder construir novamente…?
Essas dúvidas surgem porque não faz sentido tratar da irretroatividade da lei em direito ambiental da mesma forma como se faz no direito civil, por exemplo. Licenciar um empreendimento ou definir uma faixa de APP não é igual a assinar um contrato. O direito ambiental trata de situações perenes, que se consolidam no tempo. A regra que vale para um tem que valer para todos.
Ainda é possível encontrar alguns julgados que resistem à aplicação da tese da irretroatividade. Em julgamento de fevereiro desse ano, por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu aplicar a faixa de APP do Código Florestal de 2012 a uma construção realizada, antes da vigência da lei, próxima a um reservatório de água artificial. De acordo com a resolução CONAMA 302, que regulamentava o Código Florestal de 1965, a obra seria irregular; pelos critérios do novo Código Florestal, não. O TJSP, naquela ocasião, entendeu aplicáveis os novos limites de APP à obra realizada no regime anterior (apelação n. 0000067-89.2005.8.26.0292, da 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, julgada em 6 de fevereiro de 2020).
No Superior Tribunal de Justiça, está pendente de julgamento o tema n. 1.062 dos recursos repetitivos (quer entender o que é um recurso repetitivo e quais as consequências de seu julgamento? Clique aqui). Esse julgamento definirá a “possibilidade de se reconhecer a retroatividade de normas não expressamente retroativas da Lei n. 12.651/2012 (novo Código Florestal) para alcançar situações consolidadas sob a égide da legislação anterior” e o resultado será vinculante para o país inteiro.
Como a questão da retroatividade da lei é também matéria constitucional, o Supremo Tribunal Federal esporadicamente enfrenta o assunto em casos isolados, mas ainda não deu uma posição definitiva e vinculante.
Como se vê, é preciso urgentemente que essa questão seja resolvida pelos tribunais. Até lá, fica a incerteza.
Publicado em 08/12/2020
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