Ainda e sempre as APPs em reservatórios artificiais: o que é velho não quer morrer

O Código Florestal (Lei 12.651/2012) foi a primeira lei federal brasileira a definir as regras para as faixas de APP no entorno de reservatórios de água artificiais. Foi uma grande conquista de segurança jurídica, especialmente para o setor de energia.

A lei criou três categorias de reservatório de água, com regras específicas para cada um:

Reservatório artificial decorrente de barramento(regra geral)Reservatório artificial decorrente de barramento registrado antes de 24/08/2001Reservatório artificial não decorrente de barramento
Não há critério prévio. A faixa de APP será definida na licença ambiental (art. 4º, III)A faixa de APP será a distância entre a cota operacional normal e a cota maximum maximorum (art. 62) Não há exigência de faixa APP (art. 4º, § 1º)

A legislação, acertadamente, reconheceu a impossibilidade de traçar uma metragem de APP que seja aplicável igualmente a todos os reservatórios. Durante o processo de licenciamento ambiental serão adotados os critérios técnicos para definir a faixa adequada para cada reservatório. 

Para os reservatórios antigos, criados antes de 24/08/2001 (data de promulgação da MP 2.166-67, primeiro grande marco legal para as faixas de APP em reservatórios artificiais no país), a lei estabeleceu regra temporal, para trazer segurança jurídica aos empreendimentos criados quando a lei ainda não trazia regramento claro. 

Discussão encerrada. A regra nova deveria ser aplicada de imediata aos reservatórios artificias de todo o país. Mas os tribunais ainda relutam em aplicar plenamente a lei nova.

Antes do novo Código Florestal, a legislação federal não tinha previsão sobre as áreas de APP em torno de reservatórios artificiais. As faixas de APP eram definidas pela Resolução 302/2002 do CONAMA, que, preenchendo a lacuna da lei federal, estabelecia critérios rígidos e universais: reservatórios em área rural teriam 100 metros de faixa de APP; reservatórios em área urbana, 30 metros. Sempre.

A discussão sobre a constitucionalidade e aplicação do novo Código Florestal deveria ter sido resolvida com o julgamento das famosas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que afirmaram a legitimidade da nova legislação. Essas ADIs foram baseadas no malfadado princípio da vedação ao retrocesso e pediam a declaração de nulidade do Código Florestal por ter supostamente “diminuído” a proteção ambiental. 

O STF afastou expressamente a aplicabilidade do princípio e reconheceu a constitucionalidade da nova lei, reconhecendo que sobre esse assunto não houve retrocesso, mas apenas a possibilidade de adotar o critério mais adequado para cada reservatório, com critérios técnicos definidos no licenciamento, dentro da faixa de liberdade do legislador.

Mesmo depois do julgamento, porém, diversos tribunais nacionais continuam a resistir à aplicação universal da lei nova. O argumento que começa a surgir, agora, é o da temporalidade do direito, ou seja: aplicaria-se a lei nova apenas aos reservatórios criados sob o novo Código Florestal. Aos demais, continua-se aplicando a Resolução do CONAMA, mesmo com a revogação da lei federal que ela regulamentava. Com essa tese, a regra cronológica do art. 62 fica completamente esvaziada.

Esse “novo” argumento – que na verdade não tem nada de novo, pois é a mesma “vedação ao retrocesso” que já foi enfrentada e afastada no julgamento das ADIs do Código Florestal – foi enfrentado pelo STF no julgamento da Reclamação n. 38.764, de relatoria do Min. Edson Fachin. A decisão monocrática, como informamos aqui, foi publicada em 15/06/2020. Segundo o ministro, ao deixar de aplicar o Código Florestal, o tribunal de origem “leva a um sério risco de perpetuação da judicialização do tema da aplicabilidade do Novo Código Florestal, gerando insegurança jurídica”

Participaram do julgamento como amici curiae diversas entidades representantes do setor de energia, como a AbraPCH (Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Geradoras Hidrelétricas), a Abragel (Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa) e a Apine (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica), representadas pelo Saes Advogados.

Que esse entendimento prevaleça!

Por: Pedro Henrique Reschke

* Artigo originalmente publicado em 08/06/2020 e atualizado em 13/01/2021.


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