No dia 14 de maio de 2021, foi aprovado na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 3.729/2004, a Lei Geral do Licenciamento Ambiental. A aprovação se seguiu a 16 anos de trâmite, com diversos arquivamentos e propostas de substitutivos. O parecer final do relator, Dep. Federal Neri Geller (PP-MT), recebeu 290 votos favoráveis. No dia 18 de maio, a matéria foi enviada ao Senado Federal.
A vinda da Lei Geral do Licenciamento Ambiental é medida que se impõe. Ela traz consigo modernização, uniformização e simplificação, aumentando assim a segurança jurídica de empreendedores, equipes técnicas e servidores públicos. Auxiliará o Ministério Público a exercer com eficiência sua função de fiscal da lei e ao Judiciário, que saberá com clareza “as regras do jogo” a serem aplicadas.
Nesse contexto, em razão dos debates que vêm ocorrendo acerca da última versão apresentada, entendeu-se oportuno fazer um comparativo com a quarta versão do texto-base, elaborada pelo então relator Dep. Kim Kataguiri (DEM-SP). Esta versão, que, em 2020, chegou a estar próxima de ser apreciada pela Câmara e foi palco de diversas Audiências Públicas apresentadas por entidades interessadas.
Como se verá adiante, há diferenças entre a versão 4 e a versão 5, que veio a ser aprovada. São mudanças de estrutura e de concepção. As duas mudanças conceituais dizem respeito a retirada da regulamentação da Avaliação Ambiental Estratégica e a inclusão de atividades que passam a ter a inexigibilidade do licenciamento ambiental para a sua execução.
Para demonstrar as diferenças, o Saes Advogados elaborou um breve comparativo entre as duas versões, demonstrando o que houve de acréscimos, supressões ou alterações na redação.
Acesse a Tabela Geral com a análise comparativa das versões
ANÁLISE
A partir da análise realizada, nota-se que o Projeto de Lei passou a ser de fato uma norma essencial e exclusivamente voltada às regras sobre licenciamento ambiental. A principal diferença de concepção entre as duas versões do PL, como já dito acima, é a exclusão da Avaliação Ambiental Estratégica (AAE)[1] de políticas, planos ou programas governamentais, bem como o Zoneamento Ecológico-Econômico da versão aprovada.
CAPÍTULO I: DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
O primeiro capítulo dos projetos apresenta conceitos fundamentais para a aplicabilidade dos dispositivos e procedimentos descritos nas seções subsequentes. A maioria dos conceitos foi mantida ou recebeu apenas alterações pontuais de redação. Além disso, na versão atual, aprovada pela Câmara, apresenta-se novas definições de aspectos considerados no licenciamento ambiental.
Nesse sentido, a versão 5 do texto-base, diferente da anterior, traz para a lei os conceitos legais de área de influência direta – AID – e área de influência indireta – AII -, além dos relativos aos impactos ambientais diretos e indiretos (art. 3º, XI, XII, XV e XVI) – aspectos de extrema importância e relevância prática em processos de licenciamento ambiental, conforme já escrevemos em artigo científico intitulado “A correta delimitação da área de influência na avaliação de impacto ambiental”.[2]
Também foram incluídas as definições de tipologia, natureza, porte e potencial poluidor da atividade ou empreendimento (art. 3º, XXXII, XIII, XXXIV, XXXV), bem como de área de estudo (art. 3º, XIV). Além disso, a versão aprovada pela Câmara contempla a importante possibilidade de que audiências públicas[3] e reuniões participativas ocorram também de forma remota (art. 3º, V, VII) e não apenas presencial, formato que passou a ser realizado no país em virtude da pandemia causada pelo Covid-19.
Acesse a Tabela 1 e confira o que mudou no Capítulo I
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO I: DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
A versão 5 inova ao prever que alterações[4] na operação do empreendimento ou atividade, desde que não incrementem o impacto ambiental negativo, independem de manifestação ou autorização do órgão ambiental licenciador (art. 5º, § 6º). Em relação à validade das licenças, o texto aprovado acrescentou um prazo máximo de 10 anos para emissão para a LAU, LO, LI/LO e da LOC (art. 6º, III).
Em ambas as versões, no art. 8º estão listadas atividades não sujeitas ao licenciamento ambiental. Acontece que a versão aprovada aumentou a listagem de atividades, incluindo também dois parágrafos relativos a sistemas e estações de tratamento de esgoto (art. 8º, §3º) e abastecimento público de água potável (art. 8º, §4º).
A versão 5 eliminou a possibilidade do Cadastro Ambiental Rural – CAR ser utilizado como licença ambiental conforme previsão do art. 9º da versão anterior. Contudo, criou novos critérios para a não sujeição ao licenciamento de empreendimentos registrados no CAR. O dispositivo também classifica as barragens de pequeno porte como de utilidade pública quanto tiverem como fim atividade de irrigação (art. 9º, §7º).
O art. 13, § 2º, acrescido pela versão 5, dispõe que as condicionantes ambientais não devem ser utilizadas para mitigar ou compensar impactos causados por terceiros e suprir deficiências ou danos decorrentes de omissões do Poder Público[5].
Acesse a Tabela 2 e confira o que mudou no Capítulo II -SEÇÃO I
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO II: DOS PROCEDIMENTOS
A versão 5 inclui, entre os requisitos para o licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso – LAC -, a não ocorrência de supressão de vegetação nativa[6]. O texto também passou a conter os prazos de validade e aos procedimentos de renovação da LAC (art. 21, §5º).
A versão 5 também possibilitou a emissão de LP/LI para novos empreendimentos ou atividades na mesma AID de empreendimentos similares já licenciados (art.19, §4º).
Acesse a Tabela 3 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO II
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO III: DA REGULARIZAÇÃO POR LICENÇA DE OPERAÇÃO CORRETIVA
A versão 4 generalizava a possibilidade de expedição da Licença de Operação Corretiva – LOC para todo e qualquer empreendimento sem licença ambiental (art. 24). Na versão 5, essa previsão passou a ser limitada para empreendimentos e atividades sem licença quando da data da publicação da lei, não abarcando irregularidades futuras (art. 22).
Em relação aos procedimentos, a versão aprovada também passou a conter a previsão expressa de que o licenciamento ambiental corretivo pode ocorrer por meio de adesão e compromisso (art. 22, §1º), não sendo exigido nestes casos ser firmado termo de compromisso (art. 22, §2º).
Acesse a Tabela 4 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO III
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO IV: DO EIA E DEMAIS ESTUDOS AMBIENTAIS
Este capítulo é dedicado ao EIA[7] e demais estudos ambientais. Aqui, a versão 5 dispõe que, na hipótese de o órgão licenciador não emitir Termo de Referência (TR) para estudos ambientais em até 30 dias, prorrogáveis de forma fundamentada por mais 30, o empreendedor pode protocolar os estudos para análise de mérito com base em TR padrão da respectiva tipologia de empreendimento ou atividade, disponibilizado pela autoridade licenciadora (art. 24, §§ 4º e 5º).
Considerando os conceitos trazidos sobre AE, AID e AII, ocorreu uma readequação ao conteúdo que deve ser apresentado no EIA referente a essas áreas (art. 25, I, II, IV e V).
Acesse a Tabela 5 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO IV
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO V: DA INTEGRAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES
A publicidade e a necessidade de disponibilização de informações relacionadas ao licenciamento ambiental têm bastante enfoque nas duas versões. A versão 5 prevê, inclusive, que eventuais recursos de decisões que rejeitem pedidos de licenciamento devem ser publicizados (art. 33).
Outra mudança foi a inclusão do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural – Sicar como sistema que deve ser compatível com o Sistema Nacional de Informações sobre Meio Ambiente – Sinima (art. 31, § 2º).
Acesse a Tabela 6 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO V
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO VI: DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA
Na versão 4, eram previstas cinco modalidades de participação pública nos processos de licenciamento ambiental: I – consulta pública; II – tomada de subsídios técnicos; III – reunião participativa; IV audiência pública; V – consulta livre, prévia e informada (art. 37). O inciso V foi suprimido na versão 5 (art. 35).
Acesse a Tabela 7 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO VI
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO VII: DA PARTICIPAÇÃO DAS AUTORIDADES ENVOLVIDAS
Aqui, o PL trata dos órgãos intervenientes, outros órgãos públicos que eventualmente participam de processos de licenciamento ambiental[8].
Tanto a versão 4 quanto a 5 do texto-base dispõem que a ausência de manifestação dessas entidades nos prazos estabelecidos pela própria Lei não obsta o andamento do licenciamento, nem a expedição de licença ambiental (art. 42, § 3º; art. 40 § 4º, respectivamente). Por outro lado, a versão 5 instituiu que, se a manifestação vier fora do prazo, ela deverá ser levada em consideração na fase em que estiver o processo (art. 40, § 5º).
A versão 5 também adequou o texto para compatibilizá-lo com outras alterações conceituais, como área de influência direta e área de influência indireta (art. 40).
Outro acréscimo substancial da versão 5 foi a possibilidade da autoridade licenciadora instituir instrumentos de cooperação institucional, nos moldes da Lei Complementar nº 140/2011, para dispor sobre procedimentos específicos que envolvam indígenas ou quilombolas (art. 42).
Acesse a Tabela 8 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO VII
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO VIII: DOS PRAZOS ADMINISTRATIVOS
Em ambas as versões consta a previsão de que o decurso do prazo[9] da autoridade licenciadora para apreciar o pedido de licença não implica a emissão tácita da licença ambiental (art. 43, § 3º). Mas, na versão aprovada o empreendedor pode requerer a instauração de competência supletiva[10] do licenciamento, nos termos da Lei Complementar n. 140/2011 – medida que, na versão 4, era automática, independentemente de manifestação do empreendedor.
Acesse a Tabela 9 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO VIII
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – SEÇÃO IX DAS DESPESAS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Nesta parte, dedicada à questão das despesas do licenciamento, houve poucas mudanças, limitadas a pequenas correções pontuais de ordem teórica (o art. 48, § 3º, da versão 4, por exemplo, afirmava que a emissão de declaração de não sujeição ao licenciamento ambiental independeria do pagamento de “taxas”; na versão 5, a expressão foi substituída por “tributos”, termo mais abrangente). Outra alteração mais relevante foi a supressão dos artigos referentes à Avaliação Ambiental Estratégica (art. 49) e ao Zoneamento Ecológico Econômico (art. 51), que deixaram de ser objeto do PL.
Acesse a Tabela 10 e confira o que mudou no Capítulo II –SEÇÃO IX
CAPÍTULO II: DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL – DISPOSIÇÕES COMPLEMENTARES E FINAIS
Aqui houve uma mudança relevante. O art. 60, na versão 4, atribuía às instituições e entidades governamentais de fomento a obrigação de verificar a regularidade dos empreendimentos licenciados quanto à licença ambiental. Na versão 5, o texto passou a dizer com mais clareza que isso não implica em dever fiscalizatório da regularidade ambiental, bastando à instituição que exija a licença ambiental do empreendimento financiado, sem necessidade de investigar seu mérito ou conteúdo (art. 54, §2º)[11].
A versão 4 trazia previsões sobre a ordem de distribuição dos processos (art. 53), que foram suprimidas na versão 5.
Além disso, a versão 5 ampliou a pena do crime do art. 60 da Lei de Crimes Ambientais (9.605/98), que hoje é de detenção de um a seis meses, para o período de dois a seis meses, com possibilidade de aumentar a pena até o dobro se o licenciamento da atividade ou empreendimento for sujeito a EIA.
Acesse a Tabela 11 e confira o que mudou no Capítulo II – DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
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[1] Em caso de interesse em mais informações sobre Avaliação Ambiental Estratégica (AAE), confira o que escrevemos em artigo sobre o tema: Cada macaco no seu galho: a relação entre a Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) e o licenciamento ambiental.
[2] Trabalho publicado no livro “O Setor Elétrico e o Meio Ambiente”, do Fórum de Meio Ambiente do Setor Elétrico – FMASE (org. por Adriana Coli e Pedro Dias, ed. Synergia, 2017).
[3] Escrevemos sobre audiências públicas no artigo Audiência Pública: entenda quando é necessária.
[4] Sobre alterações de projeto, confira o que escrevemos em Preciso mudar meu projeto. E agora?.
[5] Escrevemos exatamente sobre esta questão no artigo Os limites de uma condicionante.
[6] Acerca da autorização de supressão de vegetação nativa, escrevemos Autorização de supressão de vegetação: uma obrigação.
[7] Para mais informações sobre o EIA, confira Qual o conteúdo de um EIA/Rima?
[8] Para saber mais sobre o assunto, acesse nosso artigo A participação dos intervenientes no licenciamento ambiental.
[9] Sobre prazos em processos de licenciamento ambiental, escrevemos Prazos de análise do processo de licenciamento: como poderiam melhorar?
[10] Tratamos da competência supletiva no artigo Entenda o que leva à substituição da competência para licenciar
[11] Acerca da responsabilização das instituições financeiras em matéria ambiental, escrevemos Tudo tem limites, até a responsabilização das instituições financeiras em matéria ambiental.
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